Levantamento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo mostra que mesmo em casos de estupro, mulheres que procuram a interrupção da gestação se deparam com a resistência de profissionais da saúde, julgamentos morais e exigências que não estão previstas em lei
(MarieClaire | 15/11/2021 | Por Humberto Tozz)
Há alguns anos, Giovana*, uma jovem moradora do estado de São Paulo, passou por momentos de tormenta quando precisou dar entrada num hospital sentindo muita dor e sangramento. Ela estava grávida de quatro meses. “Ali tive o nascimento prematuro do feto, que não sobreviveu. A médica que estava de plantão não fez nenhum exame em mim, não relou em mim. Quem cuidou de mim foram as enfermeiras.”
Após o parto, Giovana teve convulsão na maca. Apenas uma auxiliar de enfermagem ficou tomando conta dela. A hemorragia ainda não havia sido interrompida. Teve que ser levada em uma cadeira de rodas para o quarto. A sensação era de que iria desmaiar. As profissionais não pareciam dar atenção ao seu caso e logo ela descobriu o motivo. Já no quarto, foram 10 minutos até que os policiais entrassem e a acusassem de tentativa de aborto. “Foram ríspidos comigo, chegaram dizendo para eu confessar, que eles tinham provas, que na hora do parto as enfermeiras tinham colhido restos de placenta e que usariam aquilo como prova.”
Sua versão, no entanto, é outra. A gravidez era de risco, ela conta, precisou até mesmo ser afastada do trabalho pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), mas não teve chance de se defender. Diz que ali no quarto se sentiu num beco sem saída. “Falaram que era melhor eu confessar senão seria presa, fizeram várias ameaças. Disseram: ‘É bem melhor você confessar e pagar uma fiança do que ter que ir para um presídio e de lá ter que provar sua inocência’. Com tudo isso, acabei confessando e paguei a fiança.”
Mesmo fora do hospital e do risco de ser presa, percebeu que os apuros ainda não tinham acabado. O primeiro deles foi o descaso dos profissionais de saúde. “Não resolveram a hemorragia. Saí do hospital com muito sangramento e sem tomar medicação para cortar o leite. Tive febre e meu peito empedrou.”
Giovana ainda sofreu ameaças e foi perseguida na cidade em que morava. Sua filha também foi alvo de ataques. Em consequência disso, precisou se mudar duas vezes. Atualmente, ela conta com apoio da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, sentindo que foi injustiçada por ter sido alvo de um crime que não cometeu, mas principalmente por ter sido vítima da quebra de sigilo médico. O processo em sua defesa chegou ao Superior Tribunal de Justiça. E em outubro deste ano recebeu a notícia de que o Tribunal decidiu que o hospital deve indenizá-la.
A quebra do sigilo médico é apenas uma das dificuldades que as mulheres que precisaram acessar o aborto legal enfrentam quando procuram assistência médica, revela um estudo da Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Encabeçado pelo Nudem (Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher), a publicação buscou examinar por que as mulheres estavam encontrando barreiras para acessar esse direito.
A análise se baseou em 35 casos atendidos pela defensoria entre 2020 e 2021. Desses, oito envolviam gravidez após estupro e oito de anencefalia fetal. Algumas traziam dificuldades de acessar serviços de referência ou informações sobre trâmites judiciais. Um outro caso implicava o risco de vida à gestante.
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