03/03/2012 – Escola barra alunas vestidas de forma ‘sexy e provocativa’

03 de março, 2012

(Talita Bedinelli, da Folha de S.Paulo) Blusas justas e sutiãs coloridos foram argumento usado por diretora para punir estudantes de colégio estadual. Meninos também foram vetados, 3 deles porque usavam camisetas coloridas e um porque usava camisa justa 

Na manhã de ontem, um grupo de aproximadamente 60 estudantes de 15 e 16 anos, na maioria mulheres, foi impedido de entrar na escola estadual onde estudam.

alunasbarradas260_daniloverpa_folhapressO motivo: estavam vestidas de forma “muito sexy e provocativa”, disseram os alunos, na opinião da diretora da Dr. Alarico Silveira, escola que fica na Barra Funda (zona oeste de São Paulo), identificada só como Raquel.
Os alunos afirmam que foram surpreendidos ao chegar à escola, às 7h. Segundo eles, professores e a diretora estavam no portão, avaliando quem seria autorizado a entrar.
“A diretora dizia: você está sexy. Não vai entrar”, afirmava, em coro e indignadas, um grupo de barradas.
Segundo elas, houve bate-boca e confusão. Uma professora teria empurrado uma aluna e outra estudante cortou a mão, ao tentar forçar o portão enquanto ele era fechado em sua cara, disseram.
Na discussão, uma aluna acusou a diretora, que usava vestido regata na altura dos joelhos, de estar “pelada”.

Blusas justas –
Às 11h, parte do grupo ainda estava na porta da instituição, sentada na calçada. Eram cerca de 20 alunos, sendo quatro meninos -três barrados por estarem com camisetas coloridas e outro porque usava camisa um pouco mais justa.
As blusas justas também foram a causa de punição da maioria das meninas vistas pela Folha. Nenhuma vestia blusa decotada ou que deixava a barriga de fora. Só uma estava de regata. Todas usavam calça, duas delas do tipo legging (mais justas).

Sutiãs coloridos –
Duas meninas que usavam camisetas com o logotipo da escola foram barradas porque os sutiãs eram muito coloridos, fato admitido pelos próprios professores e gestores, que pediram para não ter seus nomes identificados.
“A diretora falou que só poderia vir para a escola usando um sutiã cor da pele”, afirmou Maria Aparecida Mendes, avó de uma aluna.
“Minha filha estava de calça jeans e camiseta. Mas, se a blusa for mais justinha no corpo, já é sexy para a diretora”, disse Jassiara Aragão, 34, mãe de outra estudante.

Decentes –
Em conversa gravada pela reportagem, os professores e gestores negaram agressões.
Mas afirmaram que a prática foi uma espécie de “basta”. Segundo eles, há um mês os alunos estavam sendo orientados sobre as regras -só pode entrar de calça jeans e camiseta com o logo da instituição ou branca. Roupas “indecentes” serão vetadas na porta.
“Eles têm que vir decentemente vestidos. Está fazendo calor e as meninas acham que podem vir de qualquer jeito”, ressaltou um deles.
“Estamos estabelecendo valores morais. Se a gente deixar, as alunas vão vir de top curto com short”, disse outro. “Pode até ser que um aluno tenha ficado para fora injustamente”, afirmou um.
A diretora disse que não poderia dar entrevistas.
Impedir a entrada de estudantes que não estejam de uniforme (mesmo que seja de camiseta branca simples) é ilegal, conforme a própria Secretaria Estadual de Educação.

Outro lado
Caso será apurado com ‘urgência’, diz secretaria

A Secretaria Estadual da Educação afirmou, por meio de nota, que determinou que o episódio ocorrido ontem na escola Dr. Alarico Silveira seja apurado em caráter de urgência. Depois disso, analisará as “medidas cabíveis”.
“A secretaria esclarece que o uso de uniforme por alunos das escolas da rede estadual não é obrigatório e que o estudante não pode ser impedido de participar das atividades escolares ou ser exposto a qualquer situação vexatória pela ausência de roupa padronizada”, disse a nota.
“Quanto ao tipo de vestimenta permitida, possíveis restrições podem ser feitas desde que as normas sejam debatidas com a comunidade escolar, que haja concordância de pais e alunos e que sejam registradas no regimento escolar de cada unidade”, completou.

Entrevista
Houve humilhação pública, afirma educadora da USP
Para a Cláudia Vianna, professora da Faculdade de Educação da USP especialista em relações de gênero e educação, houve uma “humilhação pública”. Veja os principais trechos da entrevista:
Folha – Como vê a atitude?
Cláudia Vianna – Numa situação desta, existe uma ideia de chancelar uma experiencia de discriminação e violência simbólica referendada por uma instituição educacional. É muito comum na sociedade essa ideia de que, dependendo do que a mulher veste, é justificado que a discrimine. De que mostrar o corpo significa uma atitude desrespeitosa [por parte dela].
Algumas meninas se disseram humilhadas por serem abordadas na porta da escola, na frente de todos…
É uma situação de violência. É uma situação de humilhação pública, que não pode ser justificada por uma regra.
A escola não deve ter regra?
Não estamos dizendo que pode ir de biquíni na escola. Existem convenções próprias da nossa socialização (…). Mas o veto não ensina e a instituição escolar é um lugar de educação. As regras têm que ser discutidas coletivamente, com os alunos.


Frases

“É muito difícil colocar um critério para o que é provocativo ou não. Talvez a diretora tenha partido do princípio daquilo que ela considera provocativo. É um conceito subjetivo que deve ser discutido dentro da escola”
MARIA CLAUDIA LORDELLO – psicóloga do Projeto Afrodite (ambulatório de sexualidade da Unifesp)
“Evidentemente que as meninas não precisam entrar na escola de short e de minissaia. Mas tudo tem que ser discutido e consensual. Um dos problemas é que esse tipo de desavença cria um clima que prejudica o cotidiano das escolas e também a qualidade do ensino”
MIRIAM ABRAMOVAY – socióloga e pesquisadora da área da juventude da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais

Acesse em pdf:
Escola barra alunas vestidas de forma ‘sexy e provocativa’ (Folha de S.Paulo – 03/03/2012)
Outro lado: Caso será apurado com ‘urgência’, diz secretaria (Folha de S.Paulo – 03/03/2012)
Houve humilhação pública, afirma educadora da USP (Folha de S.Paulo – 03/03/2012)

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