A criminalização do aborto no Brasil tem um impacto desproporcional, discriminatório e interseccional, conforme raça e renda das mulheres e meninas no país. É o que mostra o relatório “Aborto no Brasil: Falhas Substantivas e Processuais na Criminalização de Mulheres”, recém-lançado pela Clínica de Direitos Humanos das Mulheres da Universidade de São Paulo (USP) em parceria com a Universidade de Columbia e a Clooney Foundation for Justice. A pesquisa analisou 167 decisões judiciais envolvendo acusações de autoaborto (art. 124 do Código Penal), em 12 tribunais brasileiros.
Os resultados apontam para uma série de violações dos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres. Questão profundamente controversa no Brasil, a criminalização do aborto tem um impacto significativo no acesso ao aborto seguro e a outros serviços de saúde reprodutiva, mesmo quando são previstos em lei, especialmente para mulheres e meninas negras e de baixa renda. São elas também as pessoas com maior probabilidade de serem processadas por aborto no Brasil, e que enfrentam grandes desafios ao se defenderem nos tribunais.
As denúncias, na maior parte dos casos, partem dos próprios profissionais de saúde a quem as mulheres recorrem para salvar suas próprias vidas. Além disso, esses profissionais frequentemente depunham contra as pacientes em juízo. Em muitos casos, a única prova contra a ré era apresentada por agentes de saúde, ou baseada em confissões obtidas sob circunstâncias potencialmente coercivas ou informações que constatavam que elas estiveram em uma clínica.
O relatório constata, assim, que as mulheres processadas por aborto no Brasil são muitas vezes condenadas com base em provas tênues e juridicamente insuficientes (por vezes obtidas de forma ilegal), em julgamentos em que podem enfrentar estigma e preconceito por parte de promotores, promotoras, juízes e juízas. Além disso, poucas mulheres entram com recurso contra sentenças condenatórias de aborto, e ainda menos mulheres ganham quando o fazem.
O relatório completo da pesquisa, que teve supervisão das professoras Fabiana Cristina Severi e Gislene Aparecida dos Santos, pode ser acessado neste link.