346ª Reunião Ordinária do CNS debateu as políticas públicas em saúde voltadas para mulheres lésbicas e bissexuais
No dia 29 de setembro é comemorado o dia da visibilidade lésbica. Nesta mesma data, em 1996, mulheres lésbicas de todo o Brasil se reuniram na cidade do Rio de Janeiro para o 1º Seminário Nacional de Lésbicas. Anos depois, em 1999 nos Estados Unidos, mulheres bissexuais do país movimentaram-se para cravar em 23 de setembro o Dia da Visibilidade Bissexual.
A atenção ao cuidado de mulheres lésbicas e bissexuais vai além da pauta sobre direitos reprodutivos. Ela deve se estender para além das datas de conscientização, uma vez que um histórico apagamento acabou por afetar também a saúde mental de pessoas que existem e sempre existiram, mas não seguem a impositiva (e compulsória) heteronormatividade. “As lésbicas sempre foram protagonistas nos movimentos feministas e de mulheres negras, porém invisibilizadas pelo silenciamento de todas as maneiras”, assegura Heliana Hemetério, historiadora e representante da Rede Nacional de Lésbicas e Bissexuais Negras Feministas (Candaces) no Conselho Nacional de Saúde.
A pauta foi recebida com devida atenção e entusiasmo na 346ª Reunião Ordinária do Conselho Nacional de Saúde (CNS), realizada na quarta (13/09), em Brasília. Michele Seixas, conselheira nacional de saúde, Ana Paula Mendes, presidenta do Conselho Municipal de Direitos LGBTI+ de Florianópolis e Andressa Bissolotti, da Secretaria Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania apresentaram dados e contextos relativos à saúde das mulheres lésbicas e bissexuais na mesa “Lesbiandades e Bissexualidade em Saúde”, mediada por Heliana.
Todas elas concordam que um ponto central para abrir este debate é compreender que existe um processo histórico sobre as possibilidades de existir de forma diferente, em diversos aspectos. “Os conceitos de humanidade são restritos e vivemos tardiamente um processo de questionamento desses padrões. Neste contexto, as necessidades de mulheres lésbicas e suas intersecções de raça e classe começam a ser colocadas agora”, segundo a representante do MDH, Andressa Bissolotti.
O MDH deve publicar ainda em 2023 o Relatório da Agenda de Enfrentamento à Lesbofobia e ao lesbo-ódio, fruto da realização de um Grupo de Trabalho interministerial que propôs identificar as principais pautas dos movimentos de lésbicas e sapatão para diversas áreas e políticas públicas, incluindo a Saúde. “A demanda principal do Ministério, neste contexto, é pela escuta. A participação social precisa ser garantida em todas as formulações de políticas que sejam direcionadas a mulheres em toda sua amplitude”, assegura Andressa.
Assim, as políticas devem ser pensadas não só para versar sobre direitos sexuais e reprodutivos, mas também ter o cuidado da atenção integral à saúde, pois mulheres lésbicas e bissexuais não existem unicamente no âmbito da sexualidade.
Formação em Saúde para a não-violência
As violências contra mulheres lésbicas e bissexuais se dão em diversas formas e isso interfere também no tratamento de saúde, uma vez que a paciente precisa sentir-se confortável durante os variados atendimentos para que seu diagnóstico seja elaborado de forma correta, ética e eficiente. O descaso perpassa pela dificuldade ou receio de revelar a orientação sexual e, para mulheres cuja expressão de gênero não performa feminilidade, a discriminação dentro do consultório é uma realidade.
Neste sentido, a formação das pessoas profissionais que atuam dentro do SUS parece ser o caminho mais adequado e resolutivo contra o preconceito. Cursos para atender essas especificidades, assegurando recortes de raça e territorialidade são cada vez mais necessários. A criação de normas e protocolos que foquem também nas necessidades específicas são apontadas como saídas inteligentes para o cuidado de fato integral dessas mulheres, pois toda a rede de atenção precisa estar preparada para atender todas as pessoas.
Segundo Michele Seixas, há mais de 30 anos as pautas e demandas focadas na lesbiandade e na bissexualidade patinam sem atender a quem precisa, de forma equânime e integral. “As violações de direitos são as piores denúncias que recebemos cotidianamente, e vão desde o não atendimento da paciente na clínica da família, passando pela falta de acesso ao agente comunitário de saúde e até mesmo situações onde a paciente é submetida ao rompimento de hímen dentro do consultório ginecológico”, revela a conselheira.
Para Ana Paula Mendes, tudo isso tem um enorme impacto na saúde mental, que é também outro ponto central nessa vivência, em decorrência de situações de bifobia e apagamento. “A bifobia nos faz crer que somos pessoas duvidosas, sem caráter, vetores de doenças sexualmente transmissíveis, incuráveis, dentre outros. Ela quer nos fazer crer que a bissexualidade sequer existe. Estamos em aliança contra o pacto cishéteronormativo da sociedade”, decreta.
Em 2022, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), provocado pelos movimentos sociais, publicou a Resolução nº 08/2002, que estabelece normas de exercício profissional da psicologia em relação às violências de gênero. Ana Paula ainda reforça que é preciso romper o pacto da masculinidade. “Falamos de saúde o tempo todo e não conseguimos desconstruir estes pactos da população branca, nem o pacto da heteronormatividade”.
Como encaminhamentos da pauta, o pleno do CNS sugeriu elaborar uma recomendação ao Ministério da Saúde para criar o protocolo de atenção integral à saúde das mulheres lésbicas e bissexuais.