O Hospital de Vila Nova Cachoeirinha, por decisão da Prefeitura Municipal de São Paulo, deixou de atender o serviço de aborto legal. Recentemente, esse tema voltou à baila com a decisão da justiça que demanda a reabertura do serviço, mas que continua sendo desrespeitada. Podemos notar a partir desse embate entre Prefeitura e Judiciário algo muito grave e revelador dos retrocessos que ainda estamos vivendo em termos de gênero e direitos.
Desde 2016, há uma série de retrocessos em direitos humanos no País promovidos por propostas políticas de direita em detrimento do respeito à legislação vigente e aos direitos sexuais e reprodutivos. O aborto legal refere-se à interrupção da gravidez que acontece de forma segura nos casos previstos em lei, ou seja, nos casos de gravidez resultante de estupro, risco de morte da pessoa que está gestando, ou mais recentemente nos casos de fetos anencefálicos.
Desde a década de 1940, está previsto em lei no Brasil o direito ao acesso a abortamento nos casos de gravidez resultante de estupro, mas o acesso a esses serviços demorou décadas a ser efetivamente implementado e é ainda muito difícil na maior parte do País – por vezes, uma pessoa que foi violada tem que viajar mais de mil quilômetros para conseguir atendimento. Alguns serviços ainda exigem que a vítima faça um Boletim de Ocorrência supostamente para comprovar o estupro, o que não é necessário para se ter acesso ao atendimento médico e à interrupção da gravidez.
Mais do que isso, no caso de menores de 14 anos o estupro é presumido – a lei considera que a vítima não tem como consentir e, portanto, qualquer gravidez é considerada legalmente como resultante de violação. O retrocesso representado pelo governo federal anterior tem reduzido e mesmo eliminado redes de atendimentos e serviços, e tem colocado pessoas que sofrem violência sexual em risco, de modo crescente. A atual prefeitura da cidade de São Paulo parece ter escolhido as piores políticas daquele grupo, encerrando serviços e equipamentos que trabalham a favor dos direitos das mulheres, meninas e minorias sexuais, assim como pessoas trans.
*Heloísa Buarque de Almeida é professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.