Começamos o mês com o parlamento da França aprovando o direito ao aborto na Constituição do país. Foram 780 votos contra 72. Dias antes, na cidade do Rio de Janeiro, um projeto de lei que visava garantir o tratamento humanizado de mulheres que buscam o aborto legal, ou seja, o que já está previsto no Código Penal, foi derrotado. Foram 32 votos contra, apenas oito a favor.
O projeto, de autoria de Marielle Franco, aguardava votação desde 2017 e tinha como objetivo municipalizar um programa que já existe como norma técnica do Ministério da Saúde.
Não havia, portanto, nada revolucionário na proposta, mas o tema por si só é suficiente para que homens reafirmem seu histórico poder de decidirem pelas vidas e pelos corpos das mulheres: dos 32 parlamentares contrários, 31 eram homens. Uma vergonha.
Escorados num discurso religioso, insistem em ignorar o fato de que o Brasil é um estado laico. É claro que as crenças individuais das mulheres devem ser respeitadas, mas o que vemos é que a discussão sobre o aborto, mesmo o legalizado, costuma cair numa cortina de fumaça que legitima o machismo e reforça o ódio às mulheres. Machistas não suportam a ideia de não conseguirem controlar nossas vidas.
O que eles tentam esconder é que o aborto é uma realidade e uma questão de saúde pública. Dar a devida atenção às pessoas que gestam e buscam o procedimento é zelar pela saúde. Uma a cada sete mulheres faz um aborto até os 40 anos no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional do Aborto. É por isso que já é regulado em 77 países, como constata o Centro para Direitos Reprodutivos. Entre eles, está inclusive Israel, cuja bandeira vem sendo abraçada por evangélicos. No Brasil, por não conseguirem o atendimento adequado na rede pública, acabam recorrendo a clínicas clandestinas, cujos procedimentos ilegais normalmente são pagos pelos mesmos homens que condenam a descriminalização do aborto.
No fundo, é disso que se trata: um festival de hipocrisia. Enquanto isso, as mais pobres correm mais risco por não poderem pagar pelo procedimento.