Hospitais do país têm usado uma orientação do Ministério da Saúde para se recusar a realizar aborto após 22 semanas de gestação, mesmo em casos previstos na lei.
Levantamento feito pelo GLOBO com secretarias de saúde identificou que apenas dois hospitais do país, um no Recife (PE) e outro em Uberlândia (MG), realizam o procedimento quando a gestação já passou desse período. A diferença de conduta nos centros do país ganhou destaque após a pasta suspender a norma, que é contestada por especialistas, mas em seguida recuar.
Os argumentos contrários à orientação vigente do Ministério da Saúde, incluídos em uma nota técnica de 2022, ainda no governo de Jair Bolsonaro, são tanto no campo jurídico quanto de saúde.
Especialistas citam o fato de a própria lei não prever limite de semanas nos casos em que o procedimento é permitido — quando não há outro modo de assegurar a vida da gestante, se a gravidez é resultado de um estupro ou quando há má formação do cérebro, conforme entendeu o Supremo Tribunal Federal (STF) em 2012.
— O limite de prazo estabelecido por nota técnica do governo Bolsonaro não é legal. Por tratar-se de nota técnica, ela tem por finalidade meramente complementar, termos técnicos em ato decisório. No caso, uma nota técnica jamais irá se sobrepor ao determinado no Código Penal — afirma a advogada especialista em direito de família, Marcia Cutri.
O assunto, contudo, vai além da discussão legal. A questão também passa pela falta de oferta do serviço no país e, em alguns casos, a demora da mulher de identificar a gestação, em especial quando envolve o estupro de menores.
— Muitas vezes uma menina chega com 12 semanas e precisa ficar batendo de porta em porta de hospital para achar algum que faça o aborto. Aí chega uma hora que ela está com 24,25 semanas e precisa de um juiz que garanta esse acesso ao direito dela — explica o médico Cristião Rosas, da Rede Médica pelo Direito de Decidir.