A resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina) que proíbe médicos de realizar um procedimento que provoca a morte do feto em casos de interrupção de gestação acima de 22 semanas, publicada nesta quarta (3), inviabilizará o aborto legal nesses casos, segundo médicos e advogados ouvidos pela Folha.
A norma veta a assistolia fetal, que envolve a injeção de produtos químicos que interrompem os batimentos cardíacos do feto. Depois disso, é feito um procedimento parecido com o parto para a retirada do bebê.
A assistolia é uma recomendação técnica da OMS (Organização Mundial da Saúde) em casos de aborto legal acima de 20 semanas. Entre outras razões, é indicada para evitar que o feto seja expulso com sinais vitais antes da sua retirada do útero, além de prevenir o desgaste emocional e psicológico das pacientes e equipes médicas.
A decisão do CFM ocorre pouco mais de um mês após o Ministério da Saúde suspender nota técnica que estabelecia que não deveria haver limite temporal para a interrupção da gravidez nos casos previstos em lei —o Código Penal não estabelece limite de tempo. O recuo se deu após pressões de bolsonaristas.
A nota do ministério anulava decisão anterior do governo de Jair Bolsonaro (PL) que impunha o limite temporal de 21 semanas e seis dias para o aborto legal.
Para Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), o recuo do ministério abriu brecha para atual resolução do CFM. “Agora temos uma restrição certa em relação ao aborto legal.”
Segundo ele, as vítimas de estupro que tenham passado da idade gestacional de 22 semanas e queiram ter acesso à interrupção vão precisar procurar apoio judicial, por exemplo, um pedido de habeas corpus ou de alvará judicial.
“Os médicos vão se recusar a realizá-lo com receio tanto de uma persecução criminal quanto por uma persecução no âmbito ético-profissional nos CRMs [Conselhos Regionais de Medicina].”