(Suzanne Daley, do The New York Times/Folha de S.Paulo) Valentina esperava um emprego num hotel. Mas quando chegou aqui, dois meses atrás, vinda da Romênia, o homem que a ajudou na viagem -e que ela considerava até então seu namorado- deixou claro que seu emprego seria na rua se prostituindo.
Ele ameaçou espancá-la e matar seus filhos se ela não obedecesse. Há alguns dias, Valentina estava numa rotatória na estrada, com os cabelos amarrados num rabo de cavalo oleoso, cobrando US$ 40 por uma relação sexual e US$ 27 pelo sexo oral.
“Para mim, a vida acabou”, disse ela mais tarde na mesma noite, com lágrimas escorrendo por seu rosto. “Jamais vou conseguir esquecer que fiz isto.”
Antigamente, La Jonquera era uma cidade tranquila de fronteira, onde caminhoneiros descansavam e franceses vinham procurar cerâmicas pintadas à mão e artigos de couro. Hoje em dia, porém, a prostituição é um grande negócio aqui, assim como em outras partes da Espanha, onde a atividade é basicamente legal.
O resto da economia da Espanha pode enfrentar dificuldades, mas especialistas dizem que a prostituição está em alta, tornando-se publicamente visível em cidades pequenas e grandes. Quase toda a prostituição envolve o tráfico brutal de mulheres estrangeiras. Recentemente, a polícia resgatou uma romena de 19 anos de traficantes que tinham tatuado em seu pulso um código de barras e o valor que ela ainda lhes devia: mais de US$ 2.500.
No passado, a maioria dos fregueses era composta por homens de meia-idade. Mas, dizem especialistas, o boom na Espanha é alimentado em grande medida pelos desejos de homens jovens, muitos dos quais viajam em grupos nos fins de semana.
“Antigamente os jovens iam a discotecas”, comentou Francina Vila i Valls, defensora dos direitos civis na Prefeitura de Barcelona. “Mas agora eles vão a bordéis. Para eles, é apenas outra forma de entretenimento.”
Existem poucos dados confiáveis sobre o assunto. De acordo com o relatório de 2010 sobre tráfico humano do Departamento de Estado dos EUA, entre 200 mil e 400 mil mulheres trabalhavam na prostituição na Espanha, sendo 90% delas trazidas ao país por traficantes de pessoas.
Mas policiais e defensores dos direitos humanos dizem que, seja qual for o número de vítimas, está crescendo. Milhares de mulheres são forçadas a trabalhar em lugares que vão desde clubes caros e apartamentos particulares até complexos industriais e estradas rurais isoladas.
A Europa tomou consciência do problema das mulheres traficadas nos anos 1990, quando mulheres da antiga União Soviética começaram a chegar em grande número. O continente passou boa parte dos últimos dez anos criando estruturas legais para enfrentar o problema. Mas, segundo alguns defensores, esta década vai pôr à prova o compromisso da Europa com a implementação de suas novas leis.
“As estruturas já existem, em grande medida”, disse Luis de Baca, o embaixador que comanda o Escritório de Monitoramento e Combate ao Tráfico de Pessoas do Departamento de Estado dos EUA. “Agora é hora de testar seu funcionamento.”
De acordo com especialistas, há muitos fatores que estão alimentando o boom da indústria sexual na Espanha, incluindo as fronteiras porosas e leis permissivas em muitas partes do mundo. Em La Jonquera, o recém-aberto Club Paradise, com 101 quartos, esconde-se atrás de um posto de gasolina que funciona 24 horas por dia. É um dos maiores bordéis da Europa. O lugar atende a jovens vindos da França, país onde muitos aspectos da prostituição são ilegais e pagar por sexo custa mais caro.
Os defensores dos direitos humanos dizem que a maioria das mulheres é controlada por redes ilegais -ou seja, são escravas modernas.
Algumas redes são operações pequenas que funcionam a partir do leste europeu; é o caso da rede que controla Valentina. Outras têm alcance muito maior, como as organizações nigerianas que surgiram na Espanha na década passada. O vice-inspetor Xavier Cortés Camacho, chefe da unidade regional de combate ao tráfico em Barcelona, disse que os grupos nigerianos deslocavam mulheres pelo norte da África e as faziam chegar à Espanha, onde, para controlá-las, ameaçavam estuprar ou matar seus familiares em seus países de origem.
Mas Cortés disse que pessoas de uma dúzia de nacionalidades estão envolvidas no tráfico. Até pouco tempo atrás, por exemplo, a polícia de Barcelona nem sequer sabia que máfias chinesas operavam redes de prostituição e cerca de 30 bordéis no país.
As condições de trabalho das mulheres são brutais, segundo Cortés. Ele contou que, através de grampos telefônicos, “nós as ouvimos queixando-se de que precisavam descansar, que estavam com dor. Mas eram obrigadas a continuar trabalhando. Uma mulher se suicidou quando descobriu que era soropositiva.”
Alguns políticos gostariam que a prostituição fosse proibida na Espanha. Mas a exploração da prostituição é ilegal, razão pela qual a maioria dos bordéis opera como hotéis. O clube cobra das mulheres que ali trabalham US$ 90 pelo quarto e pela alimentação.
Entre 1.605 mulheres vítimas de traficantes, cerca de 30% vieram da região dos Bálcãs, em 2010.
Muitas contam histórias como a de Valentina, que veio com a esperança de ganhar dinheiro na Espanha para construir uma casa e viver em paz com seus filhos.
Colaboraram Rachel Chaundler e Stefania Rousselle
Acesse em pdf: Na Espanha, cresce o turismo sexual (Folha de S.Paulo – 16/04/2012)