Em que pese o preceito constitucional de que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, I, da Constituição Federal), bem como que a partir da promulgação da Declaração Universal de direitos humanos de 1948 o direito de homens e mulheres passa a ser universalmente reconhecido, ainda há a necessidade de efetivação da igualdade, positivamente prevista, de modo que passe a ser realidade e não apenas “letra de lei”.
Após a Convenção da ONU pela eliminação de toda forma de discriminação contra a mulher em 1979, também chamada de “Carta Internacional dos Direitos da Mulher” (CEDAW), que foi ratificada por 189 Estados até setembro de 2019, tendo entrado em vigor desde 3 de setembro de 1981, consagrou-se a obrigação dos Estados de eliminar a discriminação contra a mulher e zelar pela sua igualdade relativamente aos homens.
Nela, também restou determinado que os Estados Partes devem suprimir a discriminação contra a mulher em todos os assuntos relativos ao casamento e às relações familiares, deste modo, observa-se que a discriminação de gênero é um assunto que está intimamente ligado é a proteção aos direitos sexuais e reprodutivos, uma vez que, diante do processo histórico, no qual as mulheres foram subjugadas de diversas formas, dentre elas no que concerne a prática sexual, envolvendo também as relações familiares e casamento e, consequentemente, a reprodução.
Ainda hoje, muitos assuntos relacionados aos direitos sexuais e domínio do próprio corpo da mulher são questões controvertidas na sociedade, à título de exemplo o aborto, o uso de anticoncepcional e da “pílula do dia seguinte”, a realização do procedimento de laqueadura quando a mulher ainda não teve filhos ou é muito jovem, bem como o a própria decisão de se ter ou não filhos.
Mesmo diante de questões ainda muito controversas acerca de direitos sexuais e reprodutivos, que levantam embates morais, o parto sempre foi visto como um momento de importância, na medida que mantém viva a própria existência da raça humana.
Todavia, diante do avanço científico e da popularização, se não obrigatoriedade, do parto institucionalizado, emergiu o conceito de violência obstétrica, que diz respeito aos atos praticados sem o consentimento da gestante/mãe, tanto nela quanto no recém-nascido, tornando também o próprio parto âmbito de discussão sobre direitos.
No presente artigo busca-se relacionar a violência obstétrica com a violação aos direitos humanos, especificamente direitos sexuais e reprodutivos, bem como verificar se há relação com a violência de gênero. Não obstante o foco ser a pessoa da mulher no presente estudo, não se olvida que o nascituro também pode ser vítima da violência obstétrica, sendo, igualmente, sujeito de direitos.
Outrossim, é relevante mencionar que a violência obstétrica possui um recorte ainda mais acentuado quando analisadas vítimas mulheres que são vulneráveis socialmente em decorrência de outros fatores além do gênero, como a cor de pele, nível de instrução e renda, devendo reconhecer a existência de interseccionalidades. Todavia, o enfoque desta pesquisa é uma relação geral entre a violência obstétrica, vítima mulheres e a violação de direitos humanos, essencialmente no que tange os direitos sexuais e reprodutivos e direito à igualdade de gênero. Salienta- se, porém, que essa temática também pode ser atrelada a outros direitos humanos, como o direito à integridade física e/ou psíquica, à saúde, à liberdade, à vida, direito de não ser submetido a tortura e tratamento cruel ou degradante, de não ser submetido à discriminação, entre outros mais.