Os desrespeitos, os abusos e os maus-tratos físicos e psicológicos durante a gestação ou no momento do parto são tema de um estudo recém-lançado pelo Núcleo de Pesquisa em Gênero, Raça e Etnia (Nupegre), da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (EMERJ), e instigam discussões sobre grave forma de violação dos direitos humanos das mulheres. A pesquisa foi apresentada na primeira quinzena deste mês, durante evento presencial e on-line que contou com a participação da magistrada coordenadora do Nupegre, a desembargadora Adriana Mello, e das duas professoras do núcleo que atuaram no estudo, Lívia Paiva e Isadora Sento-Sé.
“Trata-se de uma pesquisa densa, difícil, e eu diria que foi uma das mais complexas e doloridas de ser feita, tamanho é o sofrimento imposto às mulheres durante o parto, momento, aliás, que deveria ser de alegria e acolhimento, mas que, para elas, foi verdadeiro calvário, com violência, desrespeito e dor”, escreveu, na apresentação do trabalho, a desembargadora Adriana Mello. “A violência obstétrica é algo que atinge uma grande maioria das mulheres e poucas vezes se quebrou o tabu de discutir esse tema, principalmente no meio médico, onde existe mais resistência”, avalia o representante institucional da OAB no CNJ, Mansour Karmouche.
Resistência
O estudo, que focou na criminalização da violência obstétrica, aponta resistência por parte dos profissionais da saúde para o reconhecimento dessa expressão. E as justificativas são falta de fundamentação técnica e imprecisão para a definição do conceito e uma suposta intenção de criminalizar quem trabalha no ramo em razão de pauta ideológica, que estaria na moda. Para fundamentar as conclusões, a pesquisa considerou recomendações e padrões internacionais que orientam o combate a esse tipo de ocorrência; analisou proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional; e investigou o tratamento que o Poder Judiciário dá ao tema.
Em relação às medidas de não repetição, o trabalho apresentado pelo Nupegre destaca ações que podem ser úteis na estruturação de políticas públicas, leis e boas práticas no Brasil. O resultado do estudo sugere a ampliação do acesso à informação; recomenda a capacitação de operadores do direito que lidam com o tema da saúde; indica como necessária a ampliação da infraestrutura e a alteração da legislação para a prevenção e a investigação de casos de violência obstétrica; e pede a adoção de protocolos nas unidades de saúde a fim de garantir o tratamento humanizado e o atendimento eficaz para as vítimas desse tipo de agressão.
A pesquisa concluiu ainda que os projetos de lei em tramitação no parlamento brasileiro, de forma geral, consideram as cidadãs de forma homogênea, sem identificar especificidades sociais, culturais e econômicas de grupos que clamam por ação e atenção prioritária.
Contexto
O trabalho do Nupegre traz posicionamento contrário à inclusão da violência obstétrica no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e na Lei Maria da Penha. E a justificativa é de que o tema tem a ver com situação que diverge completamente dos contextos doméstico e familiar. Há também crítica quanto à aprovação da Lei 14.737, de 2023, que ampliaria o direito da mulher de ter acompanhante nos atendimentos realizados em serviços de saúde públicos e privados. No entendimento da equipe que assina a pesquisa, a norma restringe a possibilidade de a paciente estar com alguém de confiança em centros cirúrgicos e unidade de terapia intensiva.
Quanto à análise de processos judiciais, o estudo evidencia grande deficiência de insumos e de profissionais na rede pública de saúde. Também registra a constatação de despreparo das equipes de assistência médica ao lidar com mulheres, grupo que as pesquisadoras classificam como socialmente vulnerável por si só e que, em situação de gravidez e parto, devido às circunstâncias físicas e psíquicas, torna-se ainda mais suscetível a agressões. “Assim, verificou-se toda sorte de abusos e violências, muitas vezes não reconhecidas pelos seus agentes e, também, pelas próprias vítimas”, informa o texto.
O termo “violência obstétrica” caracteriza abusos contra mulheres que buscam serviços de saúde durante a gestação, na hora do parto ou no pós-parto. Os maus-tratos podem ter a ver com violência física ou psicológica e têm potencial para tornar o nascimento de um bebê um momento traumático. Esse tipo de agressão tem relação com o trabalho dos profissionais de saúde e com falhas estruturais de clínicas, de hospitais e do sistema de saúde como um todo.