Na África, programas para dar autonomia às mulheres foram bem-sucedidos depois que os médicos perderam o monopólio da saúde reprodutiva
O avanço (ou retrocesso) do mundo rumo aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU é medido por indicadores. No Objetivo 5, Igualdade de Gênero, encontramos o indicador 5.6.1 que trata da autonomia da mulher para decidir sobre o uso de métodos anticoncepcionais e saúde reprodutiva. Ou seja, para as Nações Unidas, a autonomia da mulher reflete um desenvolvimento civilizatório. Já para o atual presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), é algo que precisa ser “limitado”. Esse é o mesmo conselho, vale lembrar, que durante a pandemia defendeu a “autonomia” absoluta do médico para ignorar a ciência: para o órgão regulador da atividade médica no Brasil, civilização tem limites; barbárie, não.
Os direitos reprodutivos femininos são desafiados todo o tempo, no mundo todo. Reportagem em The New York Times traz dados interessantes sobre contracepção na África Subsaariana. Os métodos preferidos das mulheres, principalmente em países com comunidades muçulmanas, são implantes e injeções. E a modalidade é preferida por ser mais fácil de esconder do companheiro ou marido. Uma jovem de 15 anos disse à reportagem que optou pela injeção porque seria mais fácil de esconder do tio, com quem vive. Se fossem pílulas, ele poderia encontrá-las e adivinhar para que servem.
Os programas para dar autonomia de escolha às mulheres tornaram-se bem-sucedidos depois que os médicos perderam o monopólio da saúde reprodutiva. Hoje, em vários países do continente, há agentes comunitárias que vão de porta em porta, oferecendo pílulas, injeções, e informação. Em alguns locais, há até autoinjeções, que podem ser compradas em farmácias, e a mulher não precisa se justificar ou correr o risco de ser julgada por um profissional de saúde conservador. O avanço se deu a despeito dos protestos das associações médicas.
Autonomia reprodutiva também depende de investimento, e de quais produtos estão disponíveis no mercado a preços acessíveis. Como os orçamentos de saúde são limitados, o desafio é convencer os governos de que investir em saúde reprodutiva garante retorno em redução de gravidez na adolescência, evasão escolar e maior participação da mulher no mercado de trabalho. No caso da África, agências internacionais e ONGs, como a Fundação Bill e Melinda Gates, contribuem para estes programas.