Ser contra este Projeto de Lei é ser a favor dos Direitos Sexuais e Reprodutivos das meninas, mulheres e pessoas com útero em nosso país, além de retomar o entendimento de que direitos sexuais e reprodutivos são também Direitos Humanos.
No último dia 12/06/2024, assistimos perplexas a tentativa da bancada evangélica e da extrema direita no Brasil de equiparar o aborto ao crime de homicídio, com penas de até 20 anos de prisão, incluindo aí os casos de estupro e de risco de vida para meninas, mulheres e pessoas com útero. A pena proposta é maior do que a aplicada em crimes de estupro no Brasil. A aprovação em regime de urgência de um PL, faz com que ele seja votado diretamente no Plenário da Câmara, sem passar por comissões democraticamente constituídas. O requerimento de urgência foi covardemente colocado em votação surpresa pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP). E é um dos maiores absurdos já vistos como proposta de regulamentação e condução de política pública em um país democrático como o Brasil. Uma série de protestos em todos o país, convocados por movimentos feministas, conseguiu desacelerar a tramitação do Projeto de Lei (PL) 1904/2024.
Ainda assim, vale buscar entender: qual seria a urgência de colocar em pauta um projeto que pretende fixar um teto para o aborto legal em 22 semanas, com punições penais tão severas às meninas, mulheres e pessoas com útero, vítimas de estupros no Brasil? Por que propor penas aos profissionais da saúde que prestam atendimentos nesses casos? O que está por traz disso? Certamente não é a saúde das vítimas. A legislação atual prevê três situações em que são permitidos o aborto legal no país: gestações decorrentes de estupro, risco a vida mulher e anencefalia fetal, sem prazos. O direito ao aborto nestas situações, está assegurado na Constituição Brasileira. Se o PL for aprovado, o aborto após 22 semanas de gestação será equiparado a homicídio simples, independentemente de como este tenha acontecido.
Estipular um prazo para que a vítima consiga denunciar, ser acolhida e buscar ajuda médica ou de outras áreas da saúde, faz parte de um grande ciclo de violência. Assim como condenar a vítima à prisão e criminalizar mulheres e meninas caso realizem o procedimento, é uma perversidade. Ser contra este Projeto de Lei é ser a favor dos Direitos Sexuais e Reprodutivos das meninas, mulheres e pessoas com útero em nosso país, além de retomar o entendimento de que direitos sexuais e reprodutivos são também Direitos Humanos. É estar em busca do que chamamos de justiça reprodutiva, que está diretamente relacionada à busca por justiça social. E não há justiça social sem um olhar interseccional, que articule as questões de gênero e sexualidade, de raça e etnia e de classe social. É preciso reconhecer que mesmo entre as mulheres, as desigualdades se colocam e nos apontam uma triste realidade: nosso país tem uma das maiores taxas de mortalidade materna do mundo e estas são bem piores entre as mulheres negras.
A partir desse olhar interseccional, socialmente ampliado, poderemos promover equidade e garantir o desenvolvimento de políticas públicas inclusivas. Isso trata, para além da perspectiva de gênero, da inclusão do olhar de gênero, aquele ao qual se somam ações concretas e realizações que levem em conta as necessidades das mulheres ao pensar e construir políticas públicas e a ações práticas nas áreas de gestão e do cuidado em saúde.
Os direitos sexuais e reprodutivos das meninas, mulheres e pessoas com útero, são pautas que definem a evolução de qualquer sociedade e que favorecem a dignidade e a defesa da vida das mesmas.