Cristião Rosas, médico ginecologista e coordenador da Rede Médica pelo Direito de Decidir, debate o conceito que cria barreiras no acesso a esse direito
Nas últimas semanas, o debate sobre aborto legal explodiu nas redes sociais devido ao PL 1904/2024, conhecido como PL do Estupro, e pela resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM). Em uma série de três reportagens, a Fórum abordou alguns temas e conceitos relacionados a essa discussão.
Em uma das reportagens, mostramos que, apesar de garantido por lei há mais de 80 anos, o acesso ao aborto legal ainda é um obstáculo para diversas mulheres e crianças vítimas de estupro no país.
A defensora Livia Almeida, da Defensoria Pública da Bahia, e a advogada e fundadora do Projeto Vivas, Rebeca Mendes, contaram sobre a realidade dessas vítimas durante o longo trajeto até obterem o aborto legal – quando conseguem. Muitas vezes, essas mulheres e crianças encontram tantas dificuldades que são obrigadas a desistir.
Os obstáculos são diversos e vão desde a falta de informações sobre esse direito, longas distâncias, hospitais que realizam o aborto legal, até médicos que se recusam a cumprir a lei. Esses profissionais fazem exigências que não estão previstas na legislação e acabam por atrasar o atendimento – e podem fazer com que a gestação alcance as 22 semanas, o que torna ainda mais difícil a realização do aborto legal, tendo que ser feito através da assistolia fetal, procedimento que está no centro do debate do PL 1902/24 e da resolução do CFM.
Além dessas dificuldades impostas pelos médicos, muitas vezes eles alegam objeção de consciência para se negarem a atender mulheres e crianças que têm direito ao aborto legal, previsto em lei em casos de gravidez resultante de estupro, anencefalia fetal ou risco de vida à gestante.
O médico ginecologista obstetra e coordenador do movimento nacional Rede Médica pelo Direito de Decidir, Cristião Rosas, em entrevista à Fórum, debate sobre o conceito da objeção de consciência e até onde vão seus limites no atendimento ao aborto legal.
Atuando pela garantia do direito ao procedimento, Cristião conta dois casos em que profissionais da equipe médica se recusaram a atender pacientes com base na objeção de consciência. Em um deles, uma menina menor de idade realizava a indução do aborto legal por anencefalia numa quinta-feira. No sábado, o procedimento foi concluído, mas ela acabou tendo um sangramento intenso.
A equipe do plantão seguinte, porém, se recusou a atender a menina por objeção de consciência e o resultado foi que ela precisou fazer transfusão de sangue na segunda-feira devido à hemorragia. Para Cristião, a alegação de objeção de consciência por parte dos médicos se deu de forma errada, uma vez que o procedimento do aborto já havia terminado. Para ele, a conduta da equipe foi, na verdade, de omissão de socorro e abandono de paciente, que vão contra o Código de Ética Médica.
No segundo caso, uma vítima de violência sexual deu entrada no hospital e, na ausência de um médico que trata especialmente desses casos, outra profissional se negou a atendê-la alegando objeção de consciência. A médica chegou a dizer que se continuassem insistindo pelo atendimento, ela iria realizar um boletim de ocorrência na delegacia.
Esses exemplos representam, segundo Cristião, apenas alguns dos milhares de casos que chegam às maternidades, sejam de emergência por estupro, sejam solicitando uma interrupção da gravidez, em que essas mulheres encontram portas fechadas, nenhuma informação, acolhimento e receptividade.