A casa não é um lugar seguro para as mulheres. De acordo com o Atlas da Violência de 2024, elaborado a partir dos dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, oito em cada dez casos de agressão contra mulheres registrados em 2022 ocorreram dentro da residência da vítima.
Foram contabilizados 144,2 mil casos, dos quais 116,8 mil ocorreram dentro de casa – um número que corresponde a 81% do total. Outros 6,1% dos episódios de violência aconteceram em vias públicas. Na maioria dos casos, os agressores são homens, correspondendo a 86,6%. Quase sempre, o responsável pelo crime é conhecido da vítima.
Os dados recentes apontam que o local que deveria ser considerado um refúgio seguro foi transformado em um dos mais perigosos para muitas mulheres. Embora atuais, os dados refletem uma realidade construída há séculos, junto com o ideal de propriedade privada, como explica a professora e pesquisadora da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Andrea Pacheco.
“No momento em que a sociedade vai se estruturando, o capitalismo começa a desenvolver essa lógica da propriedade privada, e as mulheres entram nessa mesma relação. Então, assim como as terras, os animais e as crianças eram considerados propriedades do homem, do chefe da família, as mulheres também entraram nesse rol,” explica.
De acordo com Andrea, foi a partir desse momento histórico que a violência começou a ser aplicada contra as mulheres como forma de reforçar a autoridade do homem e manter o papel de gênero estabelecido na época, em que a mulher ocupava uma posição de inferioridade na relação. “A violência é acionada como uma forma de manter esse poder do homem”, reforça.
Andrea afirma que a construção desse sistema faz com que a mulher abra mão de sua liberdade em busca de uma suposta proteção, que só seria encontrada dentro do casamento. Esse “mito do amor romântico” constrói a imagem de que o homem é o provedor do lar, assegurando o bem-estar de sua família. No entanto, a realidade se mostra diferente em muitos casos.
“A gente ainda romantiza essa ideia da casa, mas, quando pensamos nos dados da violência, mais de 80% dos casos de violência contra a mulher acontecem dentro de casa ou pelo parceiro que vive com ela. Então, a casa não é o espaço mais seguro para as mulheres”, afirma a pesquisadora.