Uma nova investida contra a saúde e a dignidade de meninas e mulheres brasileiras tomou conta do debate nacional, após o Projeto de Lei 1.904/2024 entrar na pauta da Câmara dos Deputados. Em 23 segundos, parlamentares aprovaram o requerimento de urgência do PL, que visa criminalizar vítimas de estupro que buscam o aborto legal após 22 semanas de gestação. Com uma pena que pode chegar a 20 anos de prisão, a proposta materializa o ódio contra meninas e mulheres que já passaram pela crueldade de um crime de estupro.
No Brasil, desde 1940, a legislação permite o aborto quando a gravidez é resultante de estupro ou põe em risco a vida da gestante. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que também é permitido interromper a gestação quando se trata de um feto anencéfalo. A gestante que estiver em um desses três casos tem o direito de realizar o aborto por meio do Sistema Único de Saúde.
Garantir o que está previsto na letra da lei, no entanto, significa navegar por um campo minado de injustiças e preconceitos. Sem acesso à informação sobre direitos e a serviços de saúde especializados, vítimas de estupro se veem obrigadas a levar adiante uma gestação decorrente de uma das violências de gênero mais graves que existem.
Em um contexto repleto de estigmas e tabus, exigências desnecessárias como boletins de ocorrência e autorizações judiciais, além de questões como a objeção de consciência de profissionais da saúde, transformam a busca pelo aborto legal em um calvário na vida de meninas e mulheres. Sem negar a lei diretamente, o que vemos, na prática, é a imposição de manobras e barreiras para impedir que elas acessem um direito previsto há mais de 80 anos no país.
Caso o PL 1.904/2024 não seja arquivado na Câmara dos Deputados, esse cenário irá se agravar ainda mais, visto que o país vive uma epidemia de abuso sexual de crianças e adolescentes. Em 2022, o Brasil registrou cerca de 75 mil casos de estupro —o maior número da série histórica, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Seis em cada dez vítimas eram crianças de até 13 anos, 57% eram negras e 68% dos estupros ocorreram na residência das vítimas.