Agosto Lilás chega ao fim, mas violência contra as mulheres persiste, por Lívia Reis

03 de setembro, 2024 Portal Catarinas Por Lívia Reis

1.238.208 mulheres foram vítimas de violência somente no ano de 2023.

No mês de agosto a Lei Maria da Penha completou dezoito anos e, de acordo com o último Anuário de Segurança Pública, 1.238.208 mulheres foram vítimas de violência somente no ano de 2023, número que indica aumento nas estatísticas dos anos anteriores. É difícil identificar se o aumento dos números se deu porque esses crimes estão sendo mais denunciados e registrados corretamente ou se está ocorrendo mais violência de fato. Ambas as perspectivas devem ser consideradas, mas uma conclusão é incontestável: os índices de violência contra a mulher no Brasil são absurdamente altos.

A Lei 11.340/06 representou um grande avanço tanto para o processo penal brasileiro quanto na implementação de políticas públicas voltadas à prevenção e proteção das mulheres vítimas de violência. No entanto, sua aplicabilidade enfrenta desafios significativos, que variam desde a falta de capacitação institucional básica até complexas manobras políticas que buscam descredibilizar a lei e a própria figura de Maria da Penha.

Aumento das denúncias

Com o advento da Lei Maria da Penha foi inserida no Brasil uma nova perspectiva sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. A árdua jornada de Maria da Penha em busca de justiça resultou em uma recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que obrigou o Brasil adotar estratégias mais eficientes de enfrentamento a essas violências.

Devido à resistência de uma mulher cuja história simboliza o triste retrato do Brasil no tratamento dispensado às mulheres, e ao esforço coletivo de pessoas e organizações que adotaram a luta de Maria da Penha como a de todas as mulheres, foi possível trazer à tona um tema que, até então, permanecia convenientemente restrito ao âmbito privado. A questão da violência se tornou tema público e a disseminação de informação, assim como a criação de delegacias especializadas e a concessão de medidas protetivas fizeram aumentar o número de denúncias.

Porém, ainda há muito a caminhar. As estatísticas mostram que dezoito anos após a promulgação da lei, 61% das vítimas não denunciam. É importante que valorizemos as conquistas, mas essencial que entendamos as razões que dificultam a aplicação desta lei.

Aumento do discurso misógino e violento

Todo avanço tem sua carga de retrocesso e com a promulgação da Lei Maria da Penha não foi diferente. Apesar da necessidade e dos benefícios da lei serem praticamente incontestáveis, vivemos um momento em que a intensificação do discurso misógino masculinista e a ascensão do antifeminismo são uma realidade na sociedade.

Dentre as práticas que tensionam a predominância de uma estrutura essencialista e heteropatriarcal nas divisões de papel entre masculino e feminino estão a produção de “documentários” e outros conteúdos que distorcem os fatos comprovados na ação penal que condenou o ex-marido de Maria da Penha e colocam o agressor na posição de vítima, tendência reforçada por decisões judiciais que culpabilizam mulheres e criminalizam suas tentativas de defesa.

Quando deveria ser celebrada e valorizada, Maria da Penha vive um momento em que precisa se recolher e ter sua segurança reforçada por conta de ataques e ameaças que vem sofrendo de pessoas que agem com misoginia e espalham teorias da conspiração sobre ela.

Não bastasse ter sofrido mais de vinte anos de violência praticada por seu ex-marido e pelo Estado, ainda corre risco e tem sua liberdade comprometida pela forte onda de desinformação disseminada a respeito da história que viveu e da lei que leva seu nome.

Dificuldade de implementação das políticas previstas na lei

Para além das alterações processuais penais, a Lei Maria da Penha prevê em seus dispositivos políticas públicas educativas, preventivas e de proteção e acolhimento de mulheres em situação de violência. Infelizmente, mesmo após dezoito anos de vigência, muitas dessas políticas não foram implementadas ou foram de forma insuficiente, faltam Casas da Mulher, casas-abrigo e atendimento especializado em boa parte do território nacional.

Enquanto isso, a pauta da educação de gênero nas escolas é constantemente atacada por políticos de extrema direita que tentam incansavelmente fazer o tema da violência voltar para a privacidade do lar e da família, colocando a integridade e a vida de diversas meninas e mulheres em risco.

Não basta afastar o agressor do lar e aplicar medidas penais caso a caso, é indispensável educar a população e ensinar desde a infância a importância do respeito às mulheres e alertar quanto aos riscos da adoção de discursos machistas e misóginos.

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