1.238.208 mulheres foram vítimas de violência somente no ano de 2023.
No mês de agosto a Lei Maria da Penha completou dezoito anos e, de acordo com o último Anuário de Segurança Pública, 1.238.208 mulheres foram vítimas de violência somente no ano de 2023, número que indica aumento nas estatísticas dos anos anteriores. É difícil identificar se o aumento dos números se deu porque esses crimes estão sendo mais denunciados e registrados corretamente ou se está ocorrendo mais violência de fato. Ambas as perspectivas devem ser consideradas, mas uma conclusão é incontestável: os índices de violência contra a mulher no Brasil são absurdamente altos.
A Lei 11.340/06 representou um grande avanço tanto para o processo penal brasileiro quanto na implementação de políticas públicas voltadas à prevenção e proteção das mulheres vítimas de violência. No entanto, sua aplicabilidade enfrenta desafios significativos, que variam desde a falta de capacitação institucional básica até complexas manobras políticas que buscam descredibilizar a lei e a própria figura de Maria da Penha.
Aumento das denúncias
Com o advento da Lei Maria da Penha foi inserida no Brasil uma nova perspectiva sobre a violência doméstica e familiar contra a mulher. A árdua jornada de Maria da Penha em busca de justiça resultou em uma recomendação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos que obrigou o Brasil adotar estratégias mais eficientes de enfrentamento a essas violências.
Devido à resistência de uma mulher cuja história simboliza o triste retrato do Brasil no tratamento dispensado às mulheres, e ao esforço coletivo de pessoas e organizações que adotaram a luta de Maria da Penha como a de todas as mulheres, foi possível trazer à tona um tema que, até então, permanecia convenientemente restrito ao âmbito privado. A questão da violência se tornou tema público e a disseminação de informação, assim como a criação de delegacias especializadas e a concessão de medidas protetivas fizeram aumentar o número de denúncias.
Porém, ainda há muito a caminhar. As estatísticas mostram que dezoito anos após a promulgação da lei, 61% das vítimas não denunciam. É importante que valorizemos as conquistas, mas essencial que entendamos as razões que dificultam a aplicação desta lei.
Aumento do discurso misógino e violento
Todo avanço tem sua carga de retrocesso e com a promulgação da Lei Maria da Penha não foi diferente. Apesar da necessidade e dos benefícios da lei serem praticamente incontestáveis, vivemos um momento em que a intensificação do discurso misógino masculinista e a ascensão do antifeminismo são uma realidade na sociedade.
Dentre as práticas que tensionam a predominância de uma estrutura essencialista e heteropatriarcal nas divisões de papel entre masculino e feminino estão a produção de “documentários” e outros conteúdos que distorcem os fatos comprovados na ação penal que condenou o ex-marido de Maria da Penha e colocam o agressor na posição de vítima, tendência reforçada por decisões judiciais que culpabilizam mulheres e criminalizam suas tentativas de defesa.
Quando deveria ser celebrada e valorizada, Maria da Penha vive um momento em que precisa se recolher e ter sua segurança reforçada por conta de ataques e ameaças que vem sofrendo de pessoas que agem com misoginia e espalham teorias da conspiração sobre ela.
Não bastasse ter sofrido mais de vinte anos de violência praticada por seu ex-marido e pelo Estado, ainda corre risco e tem sua liberdade comprometida pela forte onda de desinformação disseminada a respeito da história que viveu e da lei que leva seu nome.
Dificuldade de implementação das políticas previstas na lei
Para além das alterações processuais penais, a Lei Maria da Penha prevê em seus dispositivos políticas públicas educativas, preventivas e de proteção e acolhimento de mulheres em situação de violência. Infelizmente, mesmo após dezoito anos de vigência, muitas dessas políticas não foram implementadas ou foram de forma insuficiente, faltam Casas da Mulher, casas-abrigo e atendimento especializado em boa parte do território nacional.
Enquanto isso, a pauta da educação de gênero nas escolas é constantemente atacada por políticos de extrema direita que tentam incansavelmente fazer o tema da violência voltar para a privacidade do lar e da família, colocando a integridade e a vida de diversas meninas e mulheres em risco.
Não basta afastar o agressor do lar e aplicar medidas penais caso a caso, é indispensável educar a população e ensinar desde a infância a importância do respeito às mulheres e alertar quanto aos riscos da adoção de discursos machistas e misóginos.