Reportagem do GLOBO acompanhou ao longo dos últimos dois meses candidatas que tentam, sem sucesso, se eleger em diferentes cidades do país
Mesmo sem tempo para se dedicar à campanha eleitoral, a diarista Adriana Regina da Silva, de 47 anos, aceitou entrar na disputa após dirigentes do partido Republicanos a procurarem em busca de mulheres para concorrer. Mãe de três filhos, ela costuma sair de casa às 6h30 para trabalhar e volta apenas à noite, inclusive aos sábados. Essa rotina e a falta de recursos impediram que a candidata a vereadora em Jarinu (SP), cidade de 37,5 mil habitantes a 70 quilômetros da capital paulista, alavancasse a sua campanha. A uma semana das eleições, a postulante não recebeu um centavo da legenda até o momento nem fez publicações nas redes sociais para divulgar o seu número nas urnas.
— Me convidaram a sair porque precisava ter mais mulheres no partido e eu acabei aceitando — afirmou Adriana, que diz ter se aproximado de políticos por meio de uma irmã que trabalhava na prefeitura.
Essa não é a primeira vez que Adriana figura como candidata. Seu nome já constou nas urnas em 2016, pelo PTB, e em 2020, pelo mesmo Republicanos. Nas duas ocasiões, o resultado foi o mesmo: nenhum recurso para campanha e apenas 15 votos: — Foram só os da minha família — disse ela.
Procurados, dirigentes do Republicanos não quiseram comentar.
A situação da diarista de Jarinu reflete um cenário no qual algumas mulheres são registradas como candidatas nas eleições para cumprir a obrigação legal de ter ao menos 30% de candidaturas femininas, mas são abandonadas à própria sorte. A saga dessas postulantes que tentam, sem sucesso, viabilizar suas campanhas foi acompanhada pela reportagem do GLOBO ao longo dos últimos dois meses. Algumas delas reclamam da falta de apoio e de recursos suficientes para se tornarem representantes de suas cidades. Já outras, diante das dificuldades, ameaçam desistir da corrida eleitoral.
É o caso da professora Elizete Valério Generoso, candidata a vereadora do MDB em Criciúma (SC), a 207 quilômetros de Florianópolis. Ela chegou a avisar a sua sigla ter saído da disputa. Sem dinheiro e sem apoio, tendo de trabalhar e cuidar da casa, disse que não teria como continuar a campanha, mas voltou atrás após nova promessa de recursos.
— Eu relutei bastante em aceitar ser candidata, mas eles precisavam preencher a cota de mulheres. Acabei aceitando, porque se quero igualdade e representatividade, então, por que não vou aceitar? — afirmou Elizete. Ela contou que, sem ajuda, tem pedido votos apenas entre amigos, no boca a boca.
O MDB, partido de Elizete, lançou 20 candidatos a vereador na cidade de 214.493 habitantes, sendo seis mulheres. Desse total, apenas 14 receberam recursos do fundo eleitoral — 10 homens (R$ 119 mil no total) e quatro mulheres (R$ 29.050). Elizete não recebeu nada. O presidente do MDB de Criciúma, Valdir Cobalchini, afirma que o problema é “matemático”: — Não temos como atender a todos os candidatos. Atendemos a legislação ao enviar 35% para mulheres — disse ele, referindo-se às candidaturas femininas no estado todo.
A lei eleitoral prevê que, além do número mínimo de candidatas, 30% dos recursos públicos reservados para campanhas precisam abastecer candidaturas femininas. Mas a norma não estabelece divisão igualitária entre elas, cabendo a cada partido adotar seus próprios critérios de distribuição.
O resultado prático da aplicação dessa regra é a concentração de recursos em poucas campanhas e uma série de candidaturas femininas sem qualquer suporte. Até sexta-feira, 2 de cada 3 candidatas a vereadora no país não tinham visto a cor do dinheiro. Das que viram, 18% receberam até R$ 1 mil dos cofres dos partidos — e a maioria delas (58%) ganhou de R$ 1.001 até R$ 10 mil para bancar gastos eleitorais. Entre as eleitas de 2020, o custo médio de financiamento foi de R$ 36,2 mil. Neste ano, apenas 17 mulheres tiveram mais de R$ 1 milhão colocado à disposição pelas legendas.
Em alguns casos, como no PSD de Recife, a aposta do partido em um único nome levou quase metade das candidatas a vereadora no município a cogitar desistir das suas campanhas. Dos R$ 670 mil enviados até agora para 16 mulheres, R$ 500 mil foram para impulsionar apenas uma candidatura à Câmara Municipal — de Déa de Paula, filha do ministro da Pesca, André de Paula, do mesmo partido Uma das postulantes chegou a comunicar dirigentes da legenda que iria abrir mão da disputa eleitoral. “Não consigo fazer nada sem apoio”, escreveu Andreza Salvador em uma mensagem enviada a um coordenador partidário de Recife. Ela também divulgou uma nota em grupos de WhatsApp na qual reclama do “descompromisso” da sigla com as mulheres que sonham em entrar na política.
— A partir do momento que eu entrei (no partido), recebi muitas promessas. Eu pedi tanta ajuda que eu já desisti — afirmou Andreza.
A crise só foi contornada após as reclamações se avolumarem. A sigla decidiu repassar R$ 10 mil para cada uma das sete candidatas que estavam questionando a falta de apoio. Procurado, o PSD recifense não quis comentar. O ministro da Pesca e sua filha também não se pronunciarem.
Excluída de reuniões
Mas o abandono dos partidos em relação a candidatas mulheres vai além da falta de dinheiro para imprimir panfletos ou mesmo colocar combustível no carro para rodar a cidade em busca de votos. Em Cabo de Santo Agostinho (PE), município de 203 mil habitantes na região metropolitana de Recife, a técnica de enfermagem Patrícia Lopes relata que além de não receber recursos que haviam sido prometidos quando aceitou ser candidata a vereadora pelo Partido da Mulher Brasileira (PMB), foi excluída de reuniões partidárias.
— Entrei no partido esperando receber algum recurso e até agora nada. Se você não tem um financeiro bom, eles também lhe deixam de lado, excluem de muitas coisas — disse Patrícia. — A gente percebe que o tratamento com os homens é muito diferente. Eles dão mais acolhimento, mais atenção. Se é mulher, é mais para a parte de cota mesmo — completou.
A presidente do PMB, Suêd Haidar, disse que o TSE bloqueou os repasses de dinheiro público à sigla, que por dois anos consecutivos deixou de prestar contas: — Se tivesse liberado, eu teria dado apoio — afirmou ela.
O descompasso no investimento em campanhas de homens e mulheres reflete na baixa representatividade delas na política. Nas eleições deste ano, as candidaturas femininas respondem por 34% dos registros, a maior proporção dos últimos 24 anos, mas ainda longe dos 51,5% que elas representam na população do país.
Cruzamento de dados feito pelo GLOBO mostra que 1.076 candidatas que não receberam recursos e tiveram votação inexpressiva em 2020 — até 10 votos — estão concorrendo novamente nas eleições deste ano. Destas, 536 também não registraram movimentação financeira até o momento.
A presidente do TSE, Cármen Lúcia, afirmou que o temor de sofrer retaliações dos partidos muitas vezes impede mulheres de denunciarem o abandono às suas candidaturas.
— A gente precisa ter canais específicos de denúncia para apuração. Porque muitas não reclamam e não chega ao Judiciário — disse Cármen em entrevista ao GLOBO.
A falta de apoio a essas mulheres ocorre mesmo após o TSE adotar providências para impulsionar candidaturas femininas. Uma delas foi estabelecer o prazo de 8 de setembro para que fossem feitos repasses às campanhas de mulheres. A determinação teve como objetivo evitar que o dinheiro só chegasse na véspera da eleição, sem tempo hábil para ser utilizado.
A eleição municipal deste ano também será a primeira em que o TSE analisará os casos com base em regras pré-definidas para identificar indícios de candidaturas-laranjas, ou seja, o registro de uma mulher apenas para cumprir a cota. Uma súmula publicada pela Corte em abril estabelece três critérios para reconhecer uma candidatura fictícia: votação zerada ou pífia das candidatas; prestação de contas com movimentação financeira irrelevante; e ausência de atos efetivos de campanha.