(O Globo) Como combater a exclusão, por Frei David Santos
Mais de 1600 instituições superiores de ensino particular já adotaram cotas para negros através do ProUni. Os cotistas estão com média acadêmica superior aos que pagam suas mensalidades! A Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.330, em julgamento no STF, vai revelar esses dados de sucesso. Por que este grande sucesso? E a imprensa, por que não dá espaço para se debater os motivos desta vitória inesperada?Nas universidades públicas não é diferente. No julgamento no STF da ADPF 186 e do Recurso Extraordinário 597.285, contra a inclusão de critérios étnico-raciais, vamos provar que na UnB, UFRGS e em mais de 180 instituições superiores públicas os cotistas estão atingindo médias acadêmicas superiores aos eternos privilegiados da classe média, que podem pagar escolas e cursinhos caros!
Com as cotas, estimamos que, em cinco anos, foram incluídos mais negros nas universidades do que nos 500 anos anteriores! No vestibular entram com notas baixas e, após um ano, tendo acesso à mesma estrutura educacional, os cotistas estão dando um belo show! Há o racismo institucional do Estado brasileiro, que precisa ser refletido e enfrentado. As instituições particulares não ficam para trás, infelizmente. Vejam, por exemplo, a pesquisa do Instituto Ethos sobre “As 500 maiores empresas do Brasil e a inclusão”. Os dados são vergonhosos para uma nação tão fantástica como a nossa! Brancos e negros iremos dar as mãos e iremos mudar esta realidade!
O DEM atirou no que viu e está acertando no que não viu: no sistema injusto e arcaico chamado de “vestibular”. Ele foi usado, até então, como barreira para dizer até onde o negro poderia ir. O vestibular foi desmascarado com as cotas. Um exemplo que desacredita o atual vestibular está na primeira pesquisa de desempenho acadêmico da UnB com os cotistas, na época concluinte da primeira turma: atingiram média acadêmica quase 30% acima dos “não-cotistas”! Por que a imprensa não informa estes dados positivos à sociedade?
As universidades que adotam cotas estão apenas colocando em prática o artigo 3º da nossa Constituição: construir, garantir, erradicar, promover são linguagens verbais que indicam ação, movimento, um compromisso, um fazer! O vestibular seleciona os já selecionados: os que têm dinheiro no bolso para fugir do péssimo sistema público de ensino fundamental e médio e não precisam trabalhar e estudar ao mesmo tempo! Em suma, o vestibular é a principal engrenagem, hoje, que perpetua a exclusão.
A justiça se aproximará do seu ideal quando definirmos as cotas de outra forma: que a percentagem máxima de ingressos de alunos provenientes da rede particular de ensino seja a mesma dos que terminam o ensino médio: 12%. Com isso, automaticamente definiremos que 88% das vagas seriam destinadas aos alunos da rede pública! Esta atitude irá revolucionar a rede pública.
O que explica este esplêndido desempenho dos cotistas? O professor Michael J. Sandel, de Harvard, explica em seu livro “Justeice” que o sucesso vem da capacidade destes jovens negros e brancos pobres de aproveitar com entusiasmo as oportunidades. A visão de Sandel é revolucionária! Assim que a juventude brasileira descobrir Sandel, vai reencontrar o sentido de lutar por um mundo melhor! Ele é o Francisco de Assis que escolheu como espaço de atuação o mundo acadêmico!
Frei David dos Santos é fundador da organização não governamental Educafro.
Leia em PDF: Como combater a exclusão, por Frei David Santos (O Globo – 25/04/2012)
(O Globo) Proteção enganosa, editorial
Está previsto para hoje, no Supremo Tribunal Federal (STF), o início do julgamento da constitucionalidade da política de cotas em instituições de ensino no Brasil, contestada em três ações que tramitam na Corte. Na pauta, está a ação protocolada pelo DEM contra o sistema de cotas adotado pela Universidade de Brasília e o recurso que questiona a política adotada pela Universidade do Rio Grande do Sul, que combina dois critérios para a seleção: a origem de escola pública e a “raça”. A questão foi debatida em audiências públicas realizadas pelo Supremo em março de 2010, com a participação de mais de 40 especialistas.
Tema complexo em que se embaralham traços da luta pelos direitos civis, da busca de justiça social, da inclusão de minorias menos favorecidas e até do politicamente (ou socialmente) correto. A priori, pode parecer justa a preocupação de garantir espaço, nas instituições de ensino superior, para jovens que não tenham tido as mesmas oportunidades que outros, supostamente por questão de renda, cor da pele ou outro motivo.
O problema é que esse conceito embute distorções capazes de, ao supostamente neutralizar discriminações, criar outras ainda piores, uma vez que definidas em leis, normas e regulamentos. Na próxima semana, o STF deverá analisar a ação do DEM e de entidades da área de ensino contra o sistema de reserva de bolsas de estudo para negros, indígenas, pessoas com deficiência e alunos da rede pública, implementado pelo ProUni, do governo federal.
A barreira defensiva para os negros, por exemplo, é traiçoeira. Segundo dados de 2008 do IBGE, apenas 6,1% da população se autodefine negra. Em termos percentuais, essa parcela da população só se torna expressiva se a ela se adicionarem os 45,1% que se denominam pardos. Nesse caso, portanto, a barreira funciona, na prática, como uma discriminação contra pardos, não contemplados com cotas.
Outro grande problema do sistema de cotas é o critério a ser adotado para selecionar os que nele devem ser incluídos. Quando o sistema é o do mérito escolar, as nuvens se dissipam e as cotas deixam de ser necessárias. Entra quem obtiver nota suficiente, segundo o número de vagas. Quando entra o componente racial, a questão se complica. A Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, por exemplo, criou cotas para negros mas depois excluiu 76 inscritos porque suas fotos mostravam que eles não cumpriam as exigências: eram pardos.
O fato é que esses sistemas artificiais atendem mais aos objetivos eleitoreiros de alguns políticos que às reais necessidades dos que seriam supostamente beneficiados. E, para beneficiar alguns, outros são prejudicados. Como é o caso óbvio dos milhões de jovens brancos e pobres, que têm tanta dificuldade de acesso ao ensino superior quanto qualquer outro jovem na mesma situação. Sem falar no risco de esses sistemas incutirem na sociedade tensões raciais desnecessárias.
Bastante mais razoável que as cotas raciais seria a adoção de cotas sociais, em função da renda, e não da cor. Seriam beneficiados os mais pobres, não importando se brancos, pardos ou negros. Mas a “ação afirmativa” verdadeiramente desejável é a melhoria do ensino público básico e profissionalizante, maneira adequada de qualificar o jovem das famílias de baixa renda, sem discriminações racistas. São aspectos a serem considerados pelos ministros do STF.
Leia em PDF: Proteção enganosa, editorial (O Globo – 25/04/2012)