Como prevenir o abuso sexual infantojuvenil na internet

04 de novembro, 2024 Folha de S. Paulo Por Fernanda Mena

Veja orientações de segurança online para crianças com base em curso da PF

A cartilha para pais do psicólogo norte-americano Jonathan Haidt, autor do livro best-seller “Geração Ansiosa”, sobre o uso de celulares, redes sociais, games online e aplicativos de mensagens por crianças e adolescentes é não dar smartphones para ninguém com menos de 14 anos e só autorizar o uso de redes sociais após os 16.

Haidt aponta que a proliferação de smartphones fez com que gerações de crianças e jovens passassem a ter uma infância ou adolescência no celular, com efeitos em suas vidas sociais e cognitivas. Seus pais, ao superproteger os filhos no mundo real, os deixaram desprotegidos no mundo virtual, para onde migraram predadores sexuais atrás de acesso direto a suas vítimas.

Ao mesmo tempo, só 3 a cada 10 pais utilizam ferramentas de controle parental disponíveis para monitorar a navegação dos filhos na internet.

O resultado está refletido nas denúncias feitas à Safernet Brasil de imagens de exploração sexual ou abuso online feitas em 2023: foram 71.867, um número recorde que representa aumento de mais de 77% na circulação dessas imagens na internet em relação a 2022.

É por isso que a psicóloga Fernanda Jota, especialista no tratamento de vítimas e ofensores de casos de violência sexual, assina embaixo das recomendações do americano.

“A maior prevenção é não dar celular”, afirma. “Todos os estudos mostram o quão arriscado é uma criança ter celular. Todos os processos psicológicos básicos de memória, cognição, organização e planejamento são afetados pelo excesso do uso de tela, pela tela recreativa”, explica ela, que atua num programa da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, o Cepav (Centro de Especialidades para Atenção às Pessoas em Situação de Violência), que há 20 anos atende vítimas e ofensores.

“Além disso, o primeiro risco é o acesso precoce a pornografia, que causa danos às crianças e adolescentes a ponto de chamarmos esse contato de abuso sexual secundário, porque é capaz de provocar dissonâncias cognitivas. Eles passam a acreditar que sexo é pornografia”, alerta ela, que viu crescer o número de adolescentes ofensores sexuais no serviço do DF.

Para Thiago Tavares, presidente da Safernet Brasil, ONG que atua na prevenção e combate a crimes cometidos nos meios digitais, “celular próprio na mão de uma criança é sinônimo de risco”.

“Os smartphones têm um leque muito amplo de aplicativos e serviços. E, além do risco de adição, que é o tempo de tela excessivo, o risco é grande de contato com pessoas mal-intencionadas e com conteúdos que podem causar danos, sejam eles pornográficos, violentos ou discriminatórios”, explica.

Soma-se a isso, diz Tavares, a ausência de regulação das empresas responsáveis por aplicativos e redes sociais e o fato de big techs terem promovido demissões em massa que afetaram suas equipes de moderação de conteúdo e de segurança das plataformas. “A capacidade de atenção na moderação desses conteúdos diminuiu, e o tempo de permanência dessas imagens aumentou. A viralização desses registros de abusos é uma consequência disso.”

A Safernet Brasil é parceira da Coordenação de Repressão aos Crimes Cibernéticos Relacionados ao Abuso Sexual Infantojuvenil (CCASI), da Polícia Federal, em um programa criado neste ano para prevenir esse tipo de crime, o Projeto Guardiões da Infância.

O programa tem três roteiros diferentes para abordar o tema: um para adolescentes, outro para pais e responsáveis e um terceiro voltado a educadores.

O conteúdo para adolescentes de 11 a 17 anos é ministrado como um pequeno curso com cinco módulos: saúde mental no uso de internet e redes sociais; privacidade e cibersegurança; respeito nos ambientes online; desinformação e, finalmente, relacionamentos seguros online.

Sérgio Victor, escrivão de Polícia Federal de Minas Gerais e um dos desenvolvedores do curso, explica que a diversidade de temas serve ao propósito de preparar os adolescentes com informações importantes para que compreendam os riscos dos relacionamentos online.

“A gente fala que a internet é um excelente lugar para ter amigos, mas que é preciso ter cuidado”, afirma ele, que aborda com os alunos as práticas mais comuns ligadas ao abuso e à exploração sexual via internet: o aliciamento online, também chamado de grooming, e a extorsão sexual, quando o predador obtém uma imagem da vítima e passa a chantageá-la para obter outros vídeos e imagens de abusos sexuais.

“Estatisticamente, os aliciadores agem por redes sociais ou por plataformas de jogos. E os alunos que já passaram pelo curso confirmam essas práticas e contam que já foram abordados por alguém oferecendo algo em troca de uma foto”, conta. “Em geral, o não das vítimas não faz os abusadores pararem, o que acontece só quando as autoridades começam a agir. É preciso atitude e, ao mesmo, aliviar a culpa que sente quem caiu nesse ciclo de violência.”

A delegada Rafaella Parca, coordenadora de Repressão a Crimes Cibernéticos Relacionados ao Abuso Sexual Infantojuvenil, da Diretoria de Combate a Crimes Cibernéticos da PF, conta que foi criado um material padronizado e 50 policiais federais já receberam treinamento. O Projeto Guardiões da Infância pode ser solicitado na unidade da Polícia Federal mais próxima da escola que deseja receber as aulas.

“O projeto tem dois objetivos”, explica Parca. “Primeiro, evitar que o crime aconteça, ou seja, dar instrumentos para adolescentes, pais e professores para que o crime não aconteça. Segundo, se esse crime já estiver acontecendo, as informações do curso podem ajudar a vítima a verbalizar a violência que ela sofre, rompendo com o ciclo de silêncio e violência comum a esses casos.”

A partir do conteúdo das aulas desenvolvidas pela Polícia Federal em parceria com a Safernet, a Folha compilou orientações de segurança online para crianças e adolescentes com dicas para usuários infantojuvenis e para pais e responsáveis.

Segundo a delegada Parca, os pais devem adotar medidas como conversas e conscientização das crianças e jovens sobre riscos online, o estabelecimento de regras de uso de internet e o monitoramento do que os filhos acessam.

Para Tavares, da Safernet Brasil, se a tentação de entregar um celular para uma criança ou adolescente for irresistível ou inevitável, os pais devem preparar esse aparelho. “Há ferramentas de controle parental que permitem controles sobre o que se acessa naquele aparelho, mas a adesão no Brasil ainda é muito baixa, por desconhecimento das ferramentas ou porque os pais não perceberam o risco que os filhos estão correndo.”

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