Aborto legal é um direito que vem sendo constantemente ameaçado no Brasil

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Foto: Mídia Ninja

26 de novembro, 2024 Veja Por Andréia Peres

Apesar de o aborto legal ter estado em evidência neste ano, ficou praticamente fora dos debates políticos e planos de governo municipais, diz estudo

No ano que vem, a IV Conferência Mundial sobre as Mulheres, realizada em Pequim, na China, comemora seu 30º aniversário. Estive lá, cobrindo esse evento histórico organizado pela ONU que reuniu 189 governos e mais de 5 mil representantes de 2 mil ONGs, em setembro de 1995. Como jornalista, acompanhei todas as discussões e saí animada com os avanços, como a ênfase na importância da autonomia reprodutiva e o reconhecimento de que a igualdade de gênero é fundamental e que os direitos das mulheres são direitos humanos. Tudo isso parece óbvio – e é. Mas, infelizmente, na prática ainda hoje estamos muito longe de garantir o básico a dezenas de milhões de meninas e mulheres no mundo todo.

A sensação que tenho é que estamos literalmente voltando para trás. “Com o avanço da extrema direita, as políticas públicas para as mulheres têm sofrido um grave sucateamento”, aponta Clara Wardi, assessora técnica do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) e mestra em sociologia pela Universidade de Brasília, em entrevista à coluna.

Não é competência de prefeitos(as) ou vereadores(as) legislar sobre a criminalização ou legalização do aborto. Mas é responsabilidade desses atores, sim, fiscalizar e assegurar o acesso ao aborto legal, garantido por lei nos casos de estupro, risco de vida para a gestante e feto anencéfalo que devem ser atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em suas estruturas municipais. Afinal, é nos territórios que meninas e mulheres buscam atendimento e essa rede precisa ser a primeira garantidora do direito.

Acesso ao aborto legal precisa ser assegurado

De acordo com o Mapa do Aborto Legal, realizado pela ONG Artigo 19, apenas 73 hospitais fazem aborto legal no Brasil (informação de 28 de setembro de 2022, a mais recente disponibilizada). Dados da plataforma Panorama do Aborto no Brasil, do Instituto AzMina, dão conta de que, de 2015 a 2023, foram realizados, em média, 1.900 abortos legais por ano nos hospitais públicos. O cálculo levou em conta a média dos procedimentos registrados no Datasus com o diagnóstico “aborto por razões médicas e legais”.

Um número irrisório se considerado as cerca de 19 mil meninas de até 14 anos que, anualmente (em média aproximada), têm filhos no Brasil e que, por terem sido vítimas de estupro de vulnerável, segundo o Código Penal, deveriam ter tido acesso ao aborto legal.

Apesar de o aborto legal ter estado em evidência neste ano, o tema, em geral, ficou praticamente fora dos debates nas últimas eleições municipais. “Quem assumiu a bandeira foram candidaturas progressistas com pouca expressividade eleitoral”, lamenta a especialista do Cfemea.

Levantamento feito pela plataforma Vota AÍ! (Centro de Estudos de Opinião Pública e Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública) para a BBC News Brasil apontou apenas 61 menções ao aborto num universo de quase 15 mil planos de governo de todos os municípios brasileiros, o equivalente a 0,4% do total.

Segundo Clara Wardi, campanhas como Criança Não é Mãe!, que aconteceu em junho e julho deste ano, acabaram repercutindo nas eleições municipais. Graças à pressão das organizações da sociedade civil e da própria população, a maioria dos candidatos, tanto de direita quanto de esquerda, se posicionou em defesa do aborto legal, quando perguntados sobre o tema. A despeito do posicionamento, não quiseram se comprometer com propostas políticas que fortalecessem esses serviços em seus territórios.

Esse é um dos resultados que o Cfemea adiantou com exclusividade para a coluna de um estudo que deve ser publicado em breve. O levantamento foi realizado por meio dos planos de governo registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de candidatos e candidatas à prefeitura de cinco capitais brasileiras, de Norte a Sul do país: Boa Vista, São Paulo, Porto Alegre, Salvador e Cuiabá. No total, foram analisados 32 planos de governo, referentes aos 33 candidatos desses territórios. Um deles não submeteu o conteúdo do plano, apenas a capa e a contracapa do documento.

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