Dirigentes de serviços dizem que projetos representam retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos e põem mulheres e meninas em perigo
Em artigo pulicado em revista científica internacional, responsáveis por nove serviços de aborto legal em todo o Brasil se opõem a propostas do Legislativo de restringir as interrupções de gravidez já previstas em lei e as classificam de “aberração legal”.
No último dia 27, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara aprovou a admissibilidade de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que coloca a “inviolabilidade da vida desde a concepção” no texto constitucional, o que, na prática, acaba com todas as previsões de aborto legal no país.
Outra proposta, o projeto de lei 1904/2024, busca proibir abortos realizados após 22 semanas de gestação e impõe medidas severas, incluindo até 20 anos de prisão para mulheres que procurarem aborto após estupro.
No artigo, publicado na revista da Figo (Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia), os autores argumentam que as propostas entram em conflito com diretrizes internacionais, representam retrocesso nos direitos sexuais e reprodutivos e põem em perigo o bem-estar físico e mental de mulheres e meninas.
O Brasil é signatário de vários acordos internacionais, entre eles o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e a Convenção sobre os Direitos da Criança, que obrigam os Estados membros a proteger os indivíduos dos riscos físicos e mentais associados aos abortos inseguros.
Eles também exigem esforços para reduzir a mortalidade materna, que inclui a prevenção de práticas de aborto inseguro entre meninas e adolescentes.
O artigo lembra que o quadro legislativo brasileiro sobre o aborto já é restritivo, permitindo o procedimento apenas em circunstâncias específicas: gravidezes resultantes de violência sexual, situações que representem risco para a vida da mãe, ou casos de anencefalia.
Na América Latina, países como a Argentina e o Uruguai têm legislações menos restritivas, com o aborto sendo permitido em qualquer circunstância antes de 14 semanas.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) não especifica um período gestacional limite de idade para procedimentos de aborto, e a legislação brasileira vigente também não estabelece nenhum limite baseado na idade gestacional.
Segundo os autores, contrariamente aos supostos objetivos de proteger a vida, as legislações propostas agravam as vulnerabilidades existentes e afetam desproporcionalmente as mulheres que mais necessitam de apoio médico e social.
“Efetivamente revogam os direitos das mulheres, adolescentes e meninas vítimas de violência sexual, submetendo-as a mais violência cruel.”
No Brasil, o acesso a serviços de aborto seguro e oportuno é prejudicado por barreiras sistêmicas no sistema de saúde, mesmo naquelas situações em que as mulheres têm o direito assegurado por lei.
“Essa realidade afeta desproporcionalmente os grupos marginalizados, como mulheres negras, empobrecidas e muito jovens, muitas das quais são vítimas de abuso crônico e intrafamiliar.”
Os autores também pontuam que as mulheres e adolescentes que procuram o aborto em idades gestacionais mais avançadas, em geral, tiveram negado o acesso anterior aos cuidados. Apenas 3,6% dos municípios brasileiros oferecem serviços de aborto legal.
Eles afirmam que essas mulheres são as que mais necessitam de apoio e proteção social devido à natureza violenta de suas gravidezes e enfrentam riscos sociais e clínicos significativos se forem forçadas a continuar uma gravidez indesejada. “Esses riscos incluem potenciais danos psicológicos e físicos e, em casos extremos, morte prematura.”