(Diogo Bercito, da Folha de S.Paulo) Kivi se levanta, coloca a orelha contra a porta, totalmente imóvel, e escuta: “hen” pensa que ouve um latido.
Em “Kivi och Monsterhund” (Kivi e o cão-monstro), de que esse trecho foi retirado, o autor sueco Jesper Ludqvist não quer que o leitor saiba se Kivi é menino ou menina. Daí o uso de “hen”, que não dá sinais de sexo. Assim, o autor sinaliza uma ampla discussão hoje em curso na Suécia: a igualdade de gênero levada à linguagem.
O termo “hen”, defendido por feministas e entusiastas e ainda pouco usado, substitui “han” (ele) e “hon” (ela) por uma versão neutra. Há cerca de quatro anos, ele entrou para a “Enciclopédia Nacional”. Mas não sem enfrentar latidos.
Jonas Gruvo, editor da enciclopédia, diz à Folha ter recebido ameaças de clientes, que se recusavam a comprar o livro por conta do “hen”. “Isso é estúpido. Você não pode ignorar uma palavra porque não gosta dela.”
O gênero neutro é parte de um movimento maior de busca por igualdade na Suécia.
O país tem a maior proporção mundial de mulheres no mercado de trabalho, e o Fórum Econômico Mundial o elegeu como o de maior igualdade de gênero.
Na escola-modelo Egalia, é uma preocupação desde os anos 2000 -quando os professores passaram a gravar as aulas uns dos outros. “Ficamos desapontados ao ver que tratávamos meninos e meninas de maneira diferente”, diz a diretora Lotta Rajalin.
Hoje, a escola diz combater não o gênero biológico, mas o cultural. “Não tentamos fazer as crianças se esquecerem de seus sexos, mas do que é esperado deles.”
Ou seja, grosso modo, não apenas os meninos são convidados para as aulas de futebol. Nem são só as meninas que têm acesso às bonecas. “É uma questão de democracia”, diz Rajalin.
Pode ser também um assunto literário, diz o autor Ludqvist. “Achei que seria um experimento interessante ver o que ocorreria aos personagens se não decidisse o gênero. Para mim, a categorização de gênero é um limite.”
Acesse em pdf: Por igualdade de sexos, Suécia debate criação de gênero neutro (Folha de S.Paulo – 28/04/2012)
Leia também: Em pré-escola sueca não existe mais distinção entre meninos e meninas (Pavablog – 28/06/2011)