No último novembro, Brasil bateu a marca de país com mais assassinatos de transgêneros no mundo pelo 16º ano seguido
Às vésperas do Dia Nacional da Visibilidade Trans, uma sequência de casos de violência em diferentes cidades pelo país ilustrou como essa comunidade segue sob ataque constante. De acordo com dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, colhidos pelo Disque 100, o número de ocorrências de violência contra a população trans cresceu 45% e o de violações aumentou 73% ano passado, em relação a 2023. Segundo ativistas e especialistas, o aperfeiçoamento dos serviços de denúncia ajuda a explicar a alta, mas, ao mesmo tempo, há críticas sobre a ausência de medidas concretas do governo federal, em meio à intensificação da agenda “anti trans” no cenário internacional.
Recentemente, casos de extrema violência chamaram a atenção. Em João Pessoa, no último domingo, uma mulher trans de 18 anos foi atingida por três disparos de arma de fogo no rosto, e a polícia ainda investiga as circunstâncias do ataque.
Na segunda-feira anterior, uma mulher trans foi atacada com golpes de facão após um suposto cliente ter se recusado a pagar um programa. Imagens de câmera de segurança mostraram o momento do crime, em um posto de gasolina na cidade de Serra, na Grande Vitória. A mulher foi hospitalizada e teve um dedo quebrado, além de lesões no tendão e no crânio, e recebeu alta após passar por cirurgia.
As violações também podem acontecer mesmo sem agressões físicas. Na semana passada, viralizou um vídeo de uma mulher trans, Chloe Leão, que denunciou o comportamento de uma funcionária de uma lanchonete, que teria chamado ela insistentemente por pronomes masculinos em Goiânia (GO). O estabelecimento se manifestou afirmando que a funcionária teria pedido desculpas “imediatamente” após ser alertada sobre o equívoco.
O fato é que as denúncias têm aumentado tanto nos levantamentos de ONGs quanto nas estatísticas oficiais do governo. Se durante o governo Bolsonaro as categorias e metodologias do Disque 100 foram alteradas, incluindo até a exclusão da categoria “identidade de gênero”, desde o início da gestão Lula as denúncias de violações de direitos humanos têm crescido.
Em 2024, o número de denúncias e de violações contra a população LGBTQIA+ e, especificamente, contra a população trans, aumentou. No ano passado, foram denunciadas 22.293 violações contra transgêneros, transexuais e travestis, de acordo com a Ouvidoria Nacional.
Violência contra população LGBTQIA+
- 2024: 8.142 denúncias e 48.475 violações. Aumento de 34% nas denúncias e 46% nas violações, em relação a 2023
- 2023: 6.058 denúncias e 33.159 violações
Violência contra população trans
- 2024: 1.713 denúncias e 22.293 violações. Aumento de 45% nas denúncias e de 73% nas violações
- 2023: 1.177 denúncias e 12.851 violações
Em novembro, o Brasil alcançou, pela 16ª vez seguida, a marca de país com mais assassinatos de pessoas trans do mundo. Essa estatística é da ONG Trans Murder Monitoring, que apontou 350 mortes entre setembro de 2023 e outubro de 2024: 30% delas aconteceram no Brasil.
A edição do ano passado do Dossiê de Assassinatos e Violência da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) também apontou um aumento de casos: em 2023, 145 pessoas morreram vítimas de transfobia no Brasil, crescimento de 10% em relação a 2022. A maioria (93,7%) era mulheres trans, negras (78,7%), com até 35 anos (79%) e moradoras das periferias dos grandes centros urbanos. Ainda houve registro de 69 tentativas de homicídio.
O documento destaca o excesso de violência e os “requintes de crueldade” dos casos. O uso de armas de fogo foi identificado em 46% dos registros, mas também é comum que as mortes sejam resultado de espancamento, apedrejamento, estrangulamento, pauladas, degola ou ateamento de fogo (30%). De 2017 a 2023, a ONG mapeou 1057 assassinatos de pessoas trans, travestis e pessoas não binárias brasileiras.
Na semana que vem, em função do Dia Nacional da Visibilidade Trans, novos relatórios serão lançados. A Rede Nacional Trans já divulgou dados preliminares, que apontam 105 assassinatos em 2024, uma redução de 12% na comparação com 2023, mas que mantém o patamar alto. E na próxima segunda-feira, a Antra lançará seu próprio dossiê, em um evento junto ao Ministério dos Direitos Humanos.
—Temos visto que, em termos de violações e perseguições, os dados só têm aumentado. E a tendência não é melhorar, porque enxergam pessoas trans como seres humanos de subcategorias, que não devem ser reconhecidos em um processo de igualdade, de democracia e de solidariedade. O cenário é assustador e precisamos de respostas urgentes — afirma Bruna Benevides, presidente da Antra, que aponta uma agenda global “anti trans”. — Há uma agenda contrária à existência de pessoas trans, vimos que o novo presidente dos EUA, Donald Trump, elegeu pessoas trans como alvos prioritários, é uma confluência transnacional, junto da ascensão da extrema direita.