Mulheres denunciam exclusão, misoginia e “clubinho de homens” no mercado editorial

27 de janeiro, 2025 Agência Pública Por Amanda Audi

Participação feminina no comando de grandes editoras ainda é baixa, dizem mulheres que atuam no mercado editorial

No ano passado, a escritora Lella Malta recebeu uma mensagem de um homem dizendo que queria ser patrocinador do evento “Elas publicam”, para mulheres do mercado editorial. Ela achou ótimo, porque o cara era um figurão do setor, e mandou para ele a tabela comercial. O projeto costuma receber patrocínios polpudos, como da Amazon, e ela achou que poderia ser o caso. Mas o dinheiro não veio. No lugar, ela recebeu um esclarecimento: “Ele falou que eu não tinha entendido, que o patrocínio seria uma palestra dele para as mulheres”, diz.

Mas o projeto Elas Publicam, explica, nunca recebeu nenhum homem, é apenas de mulheres que atuam na cadeia produtiva dos livros, para criar um espaço de acolhimento e troca de experiências. “Ele se acha tão bom que não precisa pagar uma cota de patrocínio, só a presença dele já teria que ser muito valorizada. É uma cara de pau sem tamanho.”

Na última edição da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, um dos maiores festivais do setor no país –, ela e outras mulheres lançaram uma antologia de contos e poemas. Mas o evento foi constantemente interrompido por um homem que queria declamar os seus próprios poemas e falar sobre o próprio trabalho. “É muito comum que os homens queiram chamar a atenção para falar sobre eles, querem corrigir o que as mulheres estão falando, e às vezes até sobre a temática do livro delas, que elas que estudaram”, diz.

Relatos como esse são comuns entre autoras, editoras e outros cargos ocupados por mulheres que atuam no mercado editorial brasileiro. A Agência Pública conversou com dez mulheres e ouviu, de modo quase unânime, que ainda há muito machismo no meio e falta muito para que o setor seja igualitário entre homens e mulheres. A maioria não quis se identificar justamente para não sofrer represálias de seus colegas.

O assunto ganhou destaque nos últimos dias com a repercussão do podcast “CPF na Nota”, da Rádio Novelo. Nele, a escritora Vanessa Barbara relata a sequência de fatos misóginos que ocorreram no fim de seu casamento com André Conti, que hoje é um dos sócios da editora Todavia. Na época, ele fazia parte de um grupo de e-mails com 15 homens, entre jornalistas, escritores e editores – parte da nata do mercado editorial hoje –, em que falavam sobre mulheres, seus corpos e o que faziam com elas.

Depois que o podcast furou a bolha e monopolizou as redes sociais, Conti publicou uma nota reconhecendo que manipulou e foi misógino com sua ex-esposa. Outros membros do grupo também reconheceram que erraram por participar de atitudes machistas, ou de calar sobre elas. De qualquer maneira, a carreira de Vanessa Barbara nunca mais foi a mesma depois do trauma. Ela era apontada como uma das escritoras mais promissoras quando despontou, em 2008. Não deixou de trabalhar, mas teve resultados mais tímidos que o de alguns membros do grupo, que ascenderam em suas áreas, como a própria relata no podcast.

“O empurrão dos parças influentes pode ser fundamental para que um nome se estabeleça e um livro faça sucesso. Ou, no sentido contrário, para que alguém desapareça dos holofotes – ou seja levado a se distanciar deles, precise disso para se recompor”, como escreveu o jornalista especializado em literatura Rodrigo Casarin.

Entre as pessoas ouvidas pela Pública, todas sinalizaram que o relatado por Barbara é uma situação comum em editoras. Não há um complô sistemático para prejudicar mulheres, mas a teia de conexões que favorece os homens (o chamado machismo estrutural) cumpre esse papel, relegando-as a posições inferiores e em que ainda há medo de denunciar situações de abuso por medo de afetar a própria carreira.

“Homens brancos com dinheiro e com poder sempre se protegem. E exatamente por esse motivo não vai acontecer nada com o principal envolvido. Isso causa uma desesperança entre nós”, disse uma editora que não quis se identificar.

“O caso da Rádio Novelo gera uma discussão indispensável sobre como o machismo que estrutura nossa sociedade circula (até hoje), inclusive em meios progressistas. Também mostra que denúncias de violência têm o potencial para gerar reações violentas e afetar muita gente”, afirma Florência Ferrari, uma das fundadoras da editora Ubu, que possui parte expressiva do catálogo de livros traduzidos, editados e escritos por mulheres.

“Nos mais de vinte anos que venho atuando no mercado editorial, é claro que, como todas as mulheres, vivenciei episódios de misoginia. Muitos desses passavam despercebidos; outros, embora bastante sofridos, na época eu nem nomeava como misóginos”, ela continua.

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