Não é novo afirmarmos que o sistema de Justiça precisa avançar em uma atuação comprometida com a erradicação das desigualdades que estruturam nossa sociedade. O diagnóstico é compartilhado por muitos especialistas e defensores de direitos humanos, mas o desafio que enfrentamos, porém, é o de encontrar caminhos para isso.
Acreditamos que a garantia do acesso à Justiça de forma simplificada e célere é uma das principais condições para garantir que os grupos sociais em situação de vulnerabilidade possam buscar a garantia e defesa de seus direitos. Nesse sentido, a Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública e o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres, em parceria com a DAIEP – Divisão de Atendimento Inicial Especializado ao Público e a Defensoria com atuação na Casa da Mulher Brasileira, têm dedicado especial atenção para implementar medidas que fortaleçam o acesso à Justiça das mulheres vítimas de violência.
Compreendendo que as defensorias públicas são fundamentais para garantir o acesso à Justiça de mulheres em situação de vulnerabilidade social e que grande parte da população que busca a instituição é formada por mulheres, é fundamental a institucionalização de mecanismos que garantam uma política pública de acesso à Justiça a partir de uma ótica interseccional de gênero e raça.
Em análise aos dados dos atendimentos realizados pela Ouvidoria-Geral da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, de janeiro a outubro de 2024, observou-se que 67% das manifestações processadas foram apresentadas por mulheres. O referido dado é corroborado pelo fato de que 77% do público da Defensoria Pública do Estado de São Paulo é composto por mulheres, sendo 55% mulheres negras, conforme dado produzido por esta Ouvidoria-Geral em 2022.
Dentre as manifestações recebidas pela ouvidoria no período indicado, observamos que 5% das manifestações apresentadas pelas mulheres estavam relacionadas ao tema de violência contra a mulher. Esse número, ainda que subdimensionado (já que há um número expressivo de mulheres que não acessam a Ouvidoria), reforça a necessidade de reformulação das portas de entrada e do próprio atendimento a essas mulheres.
Com relação às principais barreiras de acesso à Justiça, os dados evidenciam que, na maior parte dos casos, as mulheres vítimas de violência reclamam sobre a falta de informações e contato com o responsável por sua defesa, seguido de problemas com o atendimento remoto e discordância com a atuação processual, categoria que muitas vezes se relaciona à falta de informações e esclarecimento sobre o andamento do processo ou situação jurídica.
Tais questões reforçam uma das principais diretrizes da Carta de Princípio sobre Acesso à Justiça pela Perspectiva de Gênero e Raça publicada em 2023 pela Ouvidoria-Geral e o NUDEM. O documento diz que o atendimento da Defensoria Pública do Estado de São Paulo deve ser pautado pela escuta ativa e qualificada, não revitimização e promoção da autonomia, em observância aos desafios enfrentados pelas mulheres num contexto social estruturado pelo patriarcado e racismo.
Pensando em contribuir com o aprimoramento da missão institucional de prestação de assistência jurídica e promoção do acesso à Justiça à população vulnerabilizada de São Paulo – especialmente para aquelas que enfrentam situações de violência – e sabendo que a Defensoria Pública tem um papel importante na defesa do direito das mulheres, promovendo um lugar seguro e empático que, ao mesmo tempo, acolha a mulher num momento de grande vulnerabilidade e dê efetivo encaminhamento às suas demandas, a Ouvidoria está implementando um novo projeto de escuta e atendimento especializado a essas mulheres, o projeto Ouvi-las.
O Ouvi-las será um canal de atendimento especializado da ouvidoria e dedicado exclusivamente ao recebimento de manifestações de mulheres em situação de violência de gênero, em especial violência doméstica. Importante ressaltarmos que o projeto tem sido construído coletivamente com o Conselho Consultivo da Ouvidoria – formado por representantes da sociedade civil organizada – e em estreita colaboração com órgãos internos da instituição, como o NUDEM, DAIEP e a defensoria com atuação na CMB.