A vingança dos patriarcas, por Natalia Viana

28 de janeiro, 2025 Agência Pública Por Natalia Viana

Eles têm medo das mulheres

Não se engane. Os sulcos de baba raivosa que colorem a revolta trumpista, os gritos histriônicos que aplaudem a motosserra mileísta, as mãos apertadas em oração que coroam o retorno do homem caído nos templos bolsonaristas, o sorriso autoindulgente dos crypto-bros que povoam a antessala do palácio de Bukele – tudo isso tem um alvo certo: as mulheres.

Já escrevi nesta coluna sobre a misoginia na campanha eleitoral que elegeu o 47o presidente americano – este chamou a sua rival de nasty, bitch, enquanto seu vice a limitava à definição de “crazy cat lady”, aquela mulher sem filhos, meio louca, apegada aos gatos.

Não era preciso nada disso, uma vez que, como bem definiu o professor de Harvard Steven Levitsky, autor de Como as democracias morrem, o que levou Trump ao governo foi o preço do ovo e a percepção de que o governo de Joe Biden não interrompeu a derrocada do padrão de vida do americano médio.

Mas nestes tempos a misoginia aglutina, agrega, mobiliza o voto masculino e das mulheres misóginas, e talvez mais importante do que isso é um sentimento real, figadal, dos autocratas que cada vez mais tomam o poder.

Eles se assustaram com a nossa “raiva organizada”, como definiu Milly Lacombe em um excelente vídeo em que comenta o episódio “CPF na Nota”, da Rádio Novelo.

Nós temos muita raiva, diz Milly, raiva contida, porque sempre assistimos aos homens sendo favorecidos em tantas competições da vida apenas por serem homens – do irmãozinho que brinca enquanto lavamos a louça, do pai que recebe aplausos apenas porque levou os filhos ao parque, das promoções que ganham porque se parecem com os chefes que decidem as promoções, dos votos que conquistam porque reproduzem o jargão dos padrinhos, das estrelas que ganham porque vêm de famílias militares igualmente estreladas. Nos últimos anos, diz Milly, aprendemos a “organizar a nossa raiva” e ela apareceu de forma potente em movimentos como o #MeToo, #NiUnaMenos ou no #EleNão.

Por mais que tentem menosprezar esses movimentos – me lembro da violência contra aquelas que foram às ruas pelo #EleNão, como se fossem culpadas pela eleição de Bolsonaro –, a verdade é que essa raiva organizada teve consequências políticas. Não é mais aceitável uma mesa de debates ou um conselho administrativo, um gabinete ministerial formado só por homens. Um dos homens mais poderosos do jet-set americano, que organizava festinhas de exploração sexual para diversos poderosos, foi preso e morto.

O aborto foi legalizado em dois dos países mais católicos do nosso hemisfério. Um ministro de Estado, negro, foi demitido após denúncia de que assediou sua colega. Um instituto de um famoso empresário judeu teve que fechar as portas, e seus descendentes não podem mais apregoar o seu nome com orgulho, porque ele era abusador de crianças. Um dos presidentes mais poderosos da história do Congresso brasileiro teve que voltar atrás em uma lei que nos obrigaria a parir filhos de estupradores por ter sido acusado, ele mesmo, de estuprador. Kamala Harris, uma mulher negra, concorreu à presidência americana defendendo abertamente a legalização do aborto, em vez de se acovardar diante de súplicas para que ela “moderasse” o tom. Recebeu mais de 75 milhões de votos, 48,3% do total, e mostrou que metade do eleitorado está conosco.

É a essa potência assustadora que se dirigem os arroubos de orgulho macho que coroaram a campanha e a posse de Trump, do punho cerrado para cima após o tiro na orelha ao chapéu que encobria os olhos da esposa, como um véu a lhe devolver o recato, e às ordens executivas assinadas em um estádio espetaculoso, diante de uma multidão delirante com sua caneta fálica em riste.

E, claro, o linguajar fascista dessas mesmas ordens, a sua forma e o seu conteúdo.

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