Especialista ouvida pelo Correio alerta que, quando fogem do país em que estão vítimas de maus-tratos, brasileiras acabam alvos da polícia e da Justiça, podendo perder por completo a guarda e a chance de convívio com os filhos
A crise dos imigrantes vai muito além da guerra travada pelo governo Donald Trump, nos Estados Unidos. Levantamentos mostram que as mães brasileiras que migram para o exterior são vítimas de ameaças e agressões, sobretudo violência doméstica. Essas situações geram fugas das mulheres do exterior para o Brasil, buscando acolhimento e apoio da família. Porém, o processo pode virar questão de polícia e de Justiça, prejudicando justamente as mães brasileiras.
A análise faz parte de um estudo da Janaína Albuquerque, advogada e coordenadora jurídica da organização Revibra Europa, que está no livro que trata de alienação parental, no capítulo sobre subtração internacional de crianças. Pela experiência de mais de uma década, a pesquisadora afirma: “não tem perfil, todas são vulneráveis”. “Qualquer mulher, de qualquer idade, classe social e econômica, nível de escolaridade, etnia e religião. Todas podem ser vítimas”, observa ela em entrevista ao Correio.
Segundo a advogada, a violência doméstica se manifesta de várias formas (ver mais abaixo), mas principalmente com o isolamento da mulher e as limitações financeiras. A partir daí, vêm as humilhações e as agressões, que se estendem aos filhos das brasileiras com estrangeiros. “A maioria dos casos envolve mães que buscam proteção contra violência doméstica, mas que, pela dificuldade de obter provas em países estrangeiros, acabam sendo acusadas de fazer falsas alegações contra os seus agressores para afastá-los dos filhos”, explica.
Ato de desespero
Ainda de acordo com ela, as mães brasileiras buscam, desesperadamente, ajuda no país onde estão. Mas as dificuldades com o idioma e a proteção das leis para os nacionais — no caso, os homens daquela nação — prejudicam essas mulheres, que optam por “fugir” para o Brasil, começando aí outra saga. Daí a alternativa de tentar amparo na Convenção de Haia de 1980 — cuja pretensão era de delimitar a competência internacional para as ações de guarda e criar um mecanismo, por meio do qual as crianças pudessem ser restituídas ao país onde moravam —, o que é desfavorável às mães, em geral. O Brasil e mais 102 países fazem parte dessa convenção, porém, nações da África e do Oriente Médio, não, eximindo-se de ter de seguir quaisquer normativas nela previstas.
Para a pesquisadora, a falta de atualização do documento é um “grave problema” que atinge diretamente as mulheres brasileiras, que sofrem violência doméstica. “Ao final da década de 1970, o quadro normativo internacional e doméstico não era tão desenvolvido em termos de proteção da criança e da mulher. Contudo, apesar de as leis terem evoluído nesse sentido, o texto da Convenção nunca foi atualizado e a sua interpretação permaneceu enrijecida, o que faz com que alegações de violência sejam frequentemente desconsideradas”, explica. Segundo as estatísticas publicadas pela Conferência da Haia de Direito Internacional Privado (HCCH), atualmente, três em cada quatro subtrações são cometidas por mães.
O que mais preocupa a advogada são as consequências para as mulheres, quando decidem deixar o exterior, retornar ao Brasil com os filhos. “É importante considerar que existem consequências decorrentes dos processos de subtração que podem ser desastrosas e irreversíveis. É normal que as mães sejam, posteriormente, criminalizadas e que percam completamente o contato”, destaca Janaína Albuquerque.
Estatísticas
Pelos dados do Ministério da Justiça, foram recebidos 276 pedidos de regresso de crianças levadas para o Brasil pela Autoridade Central entre 2021 e 2024. “A violência doméstica é o principal tema de discussão em relação à subtração internacional de crianças no Brasil e no mundo. A Convenção da Haia de 1980 foi criada ao final da década de 1970, quando ainda não havia subsídios normativos para entender que a violência cometida contra as mães é, também, uma violência sofrida pelos filhos”, alerta Janaína.
Os dados da Revibra Europa, de 2019 a 2022, mostram que a organização recebeu 278 casos de pedidos de ajuda envolvendo a aplicação da Convenção da Haia de 1980. Destes, 98,2% partiram de mães acusadas de levar consigo os filhos, sem autorização dos pais. Os casos de relatos de violência doméstica representaram 89%.
“A violência doméstica não é exatamente uma exceção. A regra geral é de que a criança deve retornar, a menos que o caso se enquadre em cinco hipóteses. São elas: se o procedimento for iniciado após o prazo de um ano e caso seja provado que o genitor, que está pedindo a criança de volta, consentiu com a realocação. Também, se a criança já tiver idade e maturidade suficientes para se opor, se o retorno colidir com os princípios fundamentais do Estado requerido e, por fim, se o retorno puder submeter a criança a grave risco de ordem física ou psíquica”, ressalta a pesquisadora.
Pelos dados do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty, há cerca de 4,5 milhões de brasileiros no exterior, com base em estatísticas de 2023. Não há detalhamento sobre o número de mulheres. Porém, tem-se o mapeamento da distribuição pelo mundo. Nos EUA, há aproximadamente 2 milhões, sem contar os que retornaram recentemente. Em Portugal, existem 360 mil brasileiros, e, no Paraguai, 254 mil. O levantamento não distingue legais de ilegais.
As taxas de emigração costumam ficar em torno de 4%, com poucas variações. De acordo com esses dados, 194.480 brasileiros emigraram do país entre 2021 e 2022, similar ao período anterior, entre 2021 e 2020. Os principais destinos deles são a América do Norte (2.078.170 de brasileiros), a Europa (1.490.745) e a América do Sul (646.730). Os países que mais recebem brasileiros são os EUA (1,9 milhão), Portugal (360 mil) e Paraguai (254 mil).
Recentemente, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez operações de resgate de brasileiros no Oriente Médio, por esse levantamento, até 2023, eram mais de 59 mil vivendo por lá. A maioria, morando no Líbano, em Israel, na Palestina e na Síria.