O grito ancestral das mulheres em luta: do 8 de março ao 25 de novembro

28 de fevereiro, 2025 Brasil de Fato Por Senhorinha Joana Alves

O Brasil carrega marcas profundas de desigualdade de gênero. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, as mulheres brasileiras ganhavam, em média, 78% do salário dos homens. Para as mulheres negras, essa realidade é ainda mais cruel: recebem apenas 44% do rendimento médio dos homens brancos. São elas também as mais vulneráveis ao desemprego, à informalidade e à pobreza extrema. O Atlas da Violência de 2023 revela outro dado brutal: 61% das mulheres assassinadas no país são negras. No Brasil, ser mulher é lutar para existir, e ser mulher negra é resistir todos os dias.

Mas há um dia no ano em que se tenta disfarçar tal realidade. No 8 de março, mulheres recebem flores, chocolates e homenagens em discursos vazios. Como se um dia de mimos pudesse apagar a exploração, o feminicídio, a desigualdade salarial. Transformado em data comercial, o Dia Internacional das Mulheres escancara a contradição de um sistema que as celebra por um dia e as silencia nos outros 364.

Suas raízes, contudo, estão fincadas na insubmissão das operárias russas, que em 1917 ergueram suas vozes em Petrogrado. Alexandra Kollontai denunciava: a emancipação das mulheres não pode estar separada da luta contra a exploração econômica e o poder patriarcal. Mas a revolução das operárias russas não era a mesma das mulheres negras que cruzavam o Atlântico em porões de navios, nem das que resistiram nos quilombos, das que empunharam a enxada na terra ou das que hoje se apertam em barracos de lona e cimento nas favelas.

Lélia Gonzalez nos ensinou que não há libertação sem considerar raça e classe. Conceição Evaristo nos lembra das escrevivências, histórias de dor e resistência que moldam o corpo e a alma das mulheres negras. Angela Davis nos alerta: quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se move com ela. Então precisamos nos mover, estar em movimento, desestruturando as amarras e lutando por reparação e bem viver, como nos preconizam as “nossas mais velhas”.

Partindo dessa compreensão, nós, do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD), majoritariamente composto por mulheres negras periféricas, sabemos que a luta precisa refletir a nossa realidade. O 8 de março precisa falar sobre o preço dos alimentos, que dispara nos mercados enquanto o salário estagna. Precisa falar sobre o déficit habitacional, que condena mães e filhas a despejos violentos e à insegurança da rua. Precisa denunciar que as mulheres são a maioria entre as chefes de família em situação de extrema pobreza e que são elas as que mais sentem o impacto das crises econômicas. Então nossa luta vocifera: Que todas nós estejamos vivas, livres e com direitos!

Neste 8 de março, ecoa em nós o canto do grupo de teatro “Loucas de Pedra Lilás”, que convoca e fortalece nas lutas por justiça e libertação: “Negras de turbantes e saias rodadas, cantam o linguajar de nossas avós. Mulheres fortes benzendo e curando, saluba vovó, saluba vovó. […] Uiala Mukaji, pitombo oio pitó, voz bonita pra valer, saluba vovó, saluba vovó.” Este canto reaquece a memória e nos lembra que somos legados de mulheres que não aceitaram a escravidão como destino.

Dandara, ao lado de Zumbi, combateu a invasão dos quilombos e preferiu a morte à escravidão. Aqualtune, princesa do Congo, sobreviveu ao tráfico, tornou-se líder quilombola e organizou fugas e revoltas. Luiza Mahin, estrategista e agitadora das revoltas negras na Bahia, usou a inteligência e a astúcia para articular levantes. Tereza de Benguela comandou um quilombo no Mato Grosso, estruturando um sistema político e econômico de autossuficiência. Maria Felipa, em Itaparica, incendiou embarcações portuguesas, provando que a luta também se travava nas águas. São elas as avós que nos ensinam que o fogo dos quilombos ainda arde em cada mulher negra que se levanta.

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