Por que ainda falamos de violência de gênero, por Priscilla Bacalhau

14 de março, 2025 Folha de S. Paulo Por Priscilla Bacalhau

No ano passado, 1.459 mulheres assassinadas por serem mulheres

A Lei do Feminicídio completa dez anos neste mês de março. A lei representou um marco no reconhecimento e na punição da violência contra a mulher, definindo o feminicídio como o assassinato de uma mulher em razão da sua condição de sexo feminino. Uma lei que, como tantas, preferíamos que não fosse necessária, mas ainda é.

Há inúmeros exemplos, todos os dias, para ilustrar o porquê. Só no ano passado foram 1.459 vítimas: são quatro mulheres assassinadas por dia, por serem mulheres. Número recorde desde que esse crime começou a ser monitorado.

Meninas e mulheres com nomes, histórias, famílias e sonhos interrompidos pela violência de gênero. Feminicídios que ainda são chamados de “crimes passionais”, termo que tende a minimizar a violência de quem tenta demonstrar poder ao sugerir que ela decorre apenas de um momento de descontrole emocional, motivado por paixão ou amor. Amor para mim é outra coisa.

O aumento do feminicídio pode sugerir uma inefetividade da lei, que aparentemente ainda não reduziu os crimes cometidos em contexto de violência doméstica ou motivados por misoginia. Entretanto, é preciso ter em conta que, à medida que há mais informação e canais de denúncia acessíveis, os números sobem, revelando uma realidade antes subnotificada, para, em seguida, começarem a cair com a implementação eficaz de políticas públicas. Nesse sentido, são inegáveis os avanços da última década em relação à maior conscientização sobre violência baseada em gênero.

Outros tipos de violência contra mulher também seguem crescendo. De acordo com pesquisa recente, 37,5% das entrevistadas afirmaram ter sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses, o maior número já registrado. Nos últimos anos, houve avanços legais que ampliaram a definição e reconhecimento de crimes, incluindo práticas como stalking e importunação sexual. Situações antes naturalizadas passaram a ser identificadas como violações de direitos.

Além do impacto dos crimes, há a perpetuação da cultura de culpabilização das vítimas. É comum ver comentários que responsabilizam a mulher pelo que vestia, por onde andava ou simplesmente por estar em um relacionamento. Esse discurso se conecta a uma cultura jurídica que, por anos, aceitou argumentos como a “legítima defesa da honra”, tese que só foi declarada inconstitucional pelo STF em 2021.

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