Brasil tem mais de 5 mil procurados por estupro de vulnerável; Justiça já condenou maioria

Violencia contra meninas mulheres

Foto: Marcello Casal Jr./ Agência Brasil

14 de abril, 2025 g1 Por Camila da Silva e Judite Cypreste

Levantamento do g1 mostra que acusados demoram, em média, quase 4 anos para serem presos.

“Quase matou minha sobrinha. Achou que tinha matado e fugiu. Nunca mais foi encontrado.”
O relato é de A.L., tia de uma menina de 11 anos violentada no começo de 2024 em uma cidade de Mato Grosso.

“Achou que tinha matado e largou na beira do rio. Três da manhã foi quando acharam ela, desacordada, machucada com as marcas das mãos no pescoço”, relata.
O homem a quem ela se refere é Fábio Júnior Sampaio, de 41 anos. Há mais de um ano, a Justiça determinou a prisão preventiva do suspeito.

Dias após a fuga, com Sampaio ainda foragido, A.L recorreu às redes sociais em busca de ajuda. “Nos ajudem a encontrar”, escreveu ao divulgar o cartaz de procurado no Facebook. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso, ele nunca foi localizado.

“Ninguém sabe se ele foi pego ou não, porque a única notícia que tivemos é que ele sumiu”, conta a tia.

O g1 não conseguiu falar com a defesa de Sampaio.

Nesta reportagem, você vai ver:

  • Que os mandados de prisão por estupro de vulnerável ficam, em média, quase 4 anos sem ser cumpridos;
  • Qual o impacto dessa demora na vida das vítimas e de suas famílias;
  • Quais os motivos dos mandados não serem cumpridos;
  • “Falta investimento nas polícias”, diz Secretário Nacional de Segurança Pública;
  • E como o Brasil já tem uma lei que prevê um cadastro nacional de estupradores — mas ela ainda não saiu do papel.

O Brasil tem 5.692 mandados de prisão abertos por estupro de vulnerável, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse número representa 1,47% do total de ordens de prisão vigentes no país, que somam 386.560 mil — sendo 240.352 mil referentes a crimes e 76.208 mil a questões cíveis, como não pagamento de pensão alimentícia.

O g1 teve acesso aos detalhes de cerca de 5 mil mandados e solicitou ao CNJ informações sobre os demais. O órgão, no entanto, informou que não poderia fornecer esses dados (leia mais abaixo).

A análise dos documentos mostra que os mandados por estupro de vulnerável estão abertos há, em média, 3 anos e 10 meses. O mais antigo foi expedido em 2005, pelo Tribunal de Justiça do Estado do Ceará.

Entre os mandados de prisão expedidos por estupro de vulnerável, 49% são contra pessoas já condenadas em definitivo pelo crime, ou seja, que não podem mais recorrer da sentença.

O percentual deste crime é superior à média geral dos mandados de prisão ativos no país quando se trata de condenações definitivas: 28,1%. Outros 59,1% são de prisões preventivas ou em flagrante.

Por que não são presos?

Para a promotora de Justiça Valéria Scarance, do Ministério Público de São Paulo e especialista em crimes sexuais, esse padrão se repete porque os relatos das crianças nem sempre são decisivos para justificar uma prisão preventiva, em razão de teorias como memória falsa e alegações de alienação parental. Além disso, raramente os crimes sexuais deixam vestígios físicos, o que dificulta a prova.

Com isso, nos crimes contra vulneráveis, o mandado de prisão costuma ser expedido apenas após a condenação, o que facilita que muitos acusados fujam antes da ordem judicial de prisão.

“Tem casos em que a criança relata abusos sexuais com riqueza de detalhes e o juiz pergunta: ‘Mas ela não pode ter inventado isso?’. Há uma dificuldade muito grande em reconhecer a palavra da vítima como prova”, diz a promotora.

Segundo Scarance, se o mandado fosse expedido logo após a denúncia, mesmo que temporariamente, muitas fugas poderiam ser evitadas.

“O ideal seria que esses indivíduos fossem presos temporariamente, com a prisão sendo convertida em preventiva depois. Isso porque estupradores, em regra, atacam pessoas conhecidas, que continuam sob sua influência enquanto eles estão soltos”, afirma.
Em 2023, por exemplo, uma juíza cobrou providências da Corregedoria da Polícia de São Paulo após um mandado de prisão por estupro de vulnerável, expedido três anos antes, continuar em aberto. A agressão ocorreu em 2012, a ordem de prisão foi emitida em 2020 e, até hoje, o condenado segue solto.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) afirma que “em razão do referido ofício, foi instaurado e concluído um procedimento apuratório, cujo resultado já foi encaminhado ao Poder Judiciário”.

A juíza Lívia Mattos, da 1ª Vara de Porto Calvo (AL), aponta ainda outros entraves para efetivar as prisões, como a fuga dos condenados para outros estados. “Muitos são moradores de regiões rurais ou se deslocam para áreas onde a fiscalização é mais difícil”, explica.

Sem inclusão no banco nacional de mandados

Segundo a delegada Sílvia Pauluzzi, titular da Gerência Estadual de Polinter e Capturas (Gepol) de Mato Grosso, e Michelle Braga de Oliveira, chefe do setor de mandados da Polinter, outro fator para demora no cumprimento dos mandados é que, por tramitarem sob sigilo, crimes como o estupro de vulnerável nem sempre têm seus mandados incluídos no Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP).

Isso dificulta a localização dos foragidos, principalmente quando estão fora do estado onde o crime foi cometido. “Eles estão em segredo de justiça, então não aparecem. Normalmente são casos de feminicídio ou crimes contra vulneráveis”, disse Pauluzzi.

Oliveira acrescenta que, nesses casos, a polícia só toma conhecimento dos mandados por outros canais — como o envio direto do Judiciário ou da própria vítima.

“A gente já até solicitou um login, porque a Polinter trabalha com mandados de prisão, além das cartas precatórias… Fizemos várias reuniões com a Corregedoria da Justiça, mas até agora não tivemos retorno positivo”, conta Michelle.

“Se o mandado não está no Banco Nacional, às vezes a gente só fica sabendo por outras vias — como a própria vítima, o advogado dela ou até por alguma denúncia.”

Acesse a reportagem no site de origem.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas