(Natália Cancian, da Folha de S.Paulo)
“Carteira de nome social” terá o mesmo valor da de identidade; primeiro documento será emitido em 17 de maio.
Em lugar do nome de batismo, normalmente masculino, novo documento gaúcho trará nome de mulher
Em breve, travestis e transexuais do Rio Grande do Sul poderão escolher o nome pelo qual querem ser chamadas -e terão um documento para comprovar isso.
Trata-se de uma “carteira de nome social”, documento que terá o mesmo valor de um RG. Com uma diferença: no lugar do nome de batismo, geralmente masculino, o documento mostrará o nome social, feminino.
A iniciativa é do governo do Estado, em parceria com ONGs da comunidade LGBT, e será lançada no dia 17.
A nova carteira terá o nome social em destaque, foto, número do RG e data de nascimento. Será confeccionada pelo Instituto-Geral de Perícia, que também confecciona o RG no Estado, após cadastro na Secretaria Estadual de Segurança Pública.
Os requisitos e o custo para obtenção do novo documento são os mesmos da identidade tradicional -no RS, cerca de R$ 30.
Inicialmente a carteira valerá para atendimento em serviços públicos. Nos demais, ainda será preciso apresentar o RG para complementar as informações.
Ainda assim, a travesti Marcelly Malta, 61, presidente da ONG Igualdade, diz que o documento deve ajudar a diminuir as situações de constrangimento.
Constrangimento
“O maior problema é na saúde e na educação, em consultas, cadastros. É um sofrimento diário. É você chegar num lugar, verem sua aparência feminina e perguntarem: ‘Mas se essa é você, de quem é esse documento aqui?’.”
Ela lembra que ainda há dificuldade em entrar com processo para mudança no nome civil -ela mesma só conseguiu há dois anos. “Muitas não têm condições de pagar um advogado”, diz.
Já a presidente do Transgrupo Marcela Prado, a transexual Carla Amaral, de Curitiba, afirma que a medida é um avanço, mas “paliativa”. “A partir do momento que as travestis saem do seu Estado, o preconceito continua.”
Segundo a Articulação Nacional de Travestis e Transexuais, o Rio Grande do Sul é o segundo Estado a criar um documento específico com o nome social -o primeiro foi o Piauí, que adotou o documento há cerca de dois anos. A presidente do grupo, Jovanna Baby, diz que a medida ajudou a diminuir a evasão escolar entre travestis.
Aos 15 anos, Ricardo se descobriu “Simone”. A sugestão do nome feminino veio de amigos que viam no cabelo do jovem uma semelhança com a cantora nos anos 1980.
Aos poucos, Simone passou a assumir a nova identidade. Não foi fácil. O preconceito fez com que ela saísse da escola antes de terminar o ensino médio. “Falei para meus pais que não me sentia bem lá”.
Começou a tomar hormônios e a mudar o estilo de se vestir. Mas algo ainda a incomodava: o nome nos documentos. “É só alguém chamar [pelo nome masculino] que as pessoas te olham como se fosse um extraterrestre”, diz.
Agora, ela foi escolhida pela ONG Igualdade para ser a primeira travesti a receber a carteira que reconhece seu nome social.
Simone, que é casada e divide seu tempo entre Brasil e França, considera a iniciativa uma conquista para as travestis e transexuais. “Vamos poder enfrentar o povo de peito aberto.”
Acesse em pdf: Travestis do RS vão ganhar RG feminino (Folha de S.Paulo – 06/05/2012)