Violência digital: Deepfakes o novo rosto da opressão contra mulheres, por Juliana Rust Batista Felício Vieira

22 de maio, 2025 Migalhas Por Juliana Rust Batista Felício Vieira

O artigo analisa a violência doméstica digital, com destaque para as deepfakes, os desafios legais e a urgência de medidas protetivas eficazes frente ao abuso por meios tecnológicos.

A violência doméstica, infelizmente persistente em nossa sociedade, tem assumido novas configurações com o aumento do uso de tecnologias e mídias sociais. O relatório “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil”, 5º edição de 2025, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, trouxe um dado alarmante: 29,1% das mulheres que sofreram violência afirmaram ter suas mensagens checadas em celulares ou computadores, contra sua vontade. Outras 3,9% que equivalem a 1,5 milhões de mulheres, tiveram a divulgação de fotos e ou vídeos íntimos na internet.

As mulheres relatam ser obrigadas a compartilhar senhas, ter seus perfis invadidos, suas mensagens vigiadas, monitoramento forçado da localização, além de sofrerem ameaças de exposição de conteúdos íntimos. Trata-se de uma violência que busca minar a autonomia e gerar um ambiente de controle e medo, agravando o isolamento e dificultando o rompimento do vínculo com o agressor.

Crimes motivados por insegurança, sentimento de vingança, posse, ciúmes, extorsão financeira mediante a exposição de conteúdo íntimo, advinda na maioria por ex-companheiros e relacionamentos não correspondidos.

Um caso emblemático ocorrido em Manaus, onde um homem, mesmo sob medida protetiva, utilizou transferências pelo sistema Pix para enviar ameaças à sua ex-companheira. Essa situação demonstra como agressores podem se valer de tecnologias para contornar restrições legais e intimidar suas vítimas.

Com o avanço da tecnologia, surgiram novas formas de violência, como as deepfakes, onde vídeos ou imagens são manipulados digitalmente para criar situações fictícias, muitas vezes de cunho sexual, envolvendo as vítimas. Essa tecnologia, que utiliza inteligência artificial para criar conteúdo extremamente realista, tem sido usada para fins maliciosos, como a difamação, a intimidação e a exposição pública de mulheres. A tecnologia, que deveria ampliar liberdades, tem sido usada como instrumento de opressão.

Um caso, em outubro do ano passado, chamou atenção no Brasil envolvendo candidatas a eleição, cujas imagens foram manipuladas digitalmente para criar vídeos de teor pornográfico e circularam amplamente.

“Não importa se a candidata é de esquerda, de centro ou de direita. São os deep nudes ou fakenude: Manipulações de fotos e vídeos por inteligência artificial para produzir conteúdo erótico. Somente em 2023, circularam pela internet quase 100 mil vídeos falsos. E o mais grave: 99% têm mulheres como alvo”. 1

As vítimas relatam impactos psicológicos severos, incluindo ansiedade e isolamento social, além de enfrentar dificuldades para remover o conteúdo das plataformas digitais.

Esse novo formato de violência, muitas vezes invisibilizado e pouco denunciado, integra um ciclo de dominação emocional e psicológica que se soma às formas tradicionais de violência já previstas na lei Maria da Penha (lei 11.340/06).

Atualmente, o Brasil carece de uma legislação específica que aborde o uso de deepfakes para fins ilícitos. Embora a lei 13.718/18 e a lei Carolina Dieckmann ofereçam algum suporte legal, especialistas apontam que as normas existentes não são suficientes para lidar com a complexidade e a gravidade dos crimes envolvendo deepfakes.

Isso ressalta a necessidade de atualizar o ordenamento jurídico para incluir dispositivos que punam severamente a criação e a disseminação desse tipo de material. Sendo indispensável que as plataformas digitais assumam sua responsabilidade no combate à disseminação de conteúdos ilegais, investindo em tecnologias avançadas de detecção e remoção, bem como colaborando com autoridades para identificar e punir agressores.

Além disso, campanhas de conscientização e a implementação de tecnologias que detectem deepfakes de maneira eficiente são medidas cruciais para prevenir esse tipo de violência e proteger as vítimas. O fortalecimento das delegacias especializadas e a capacitação de profissionais para lidar com crimes virtuais também são passos cruciais nesse enfrentamento. A cooperação entre governos, empresas de tecnologia e a sociedade civil é essencial para combater esse desafio crescente no ambiente digital.

É papel da advocacia – sobretudo da advocacia comprometida com os direitos humanos e das mulheres – atuar de maneira atenta a esses novos padrões de violência. A escuta qualificada e a sensibilidade ao identificar indícios de controle digital devem ser parte da atuação cotidiana dos profissionais do Direito.

Da mesma forma, os juízos especializados devem estar preparados para conceder medidas protetivas de urgência que incluam o bloqueio de perfis, a suspensão de acesso a dados pessoais e a restrição de contato por meios digitais, medidas que já vêm sendo reconhecidas em decisões judiciais recentes.

A educação digital, voltada para conscientizar jovens e adultos sobre os riscos do ambiente online, também é essencial para prevenir abusos e promover uma cultura de respeito e igualdade.

Por fim, é importante destacar que a violência virtual, assim como outras formas de violência de gênero, não ocorre de forma isolada. Ela está inserida em um contexto mais amplo de desigualdade estrutural, reflete padrões históricos de opressão, mas agora amplificados pelo alcance e pela rapidez do ambiente digital, exigindo respostas integradas e eficazes para proteger as mulheres e responsabilizar os agressores. Somente por meio de ações internacionais, que envolvam legislação efetiva, educação cidadã e tecnologia inclusiva, será possível garantir que as mulheres tenham segurança e dignidade em todas as esferas, sejam elas reais ou virtuais. Assim, construímos um futuro em que os direitos humanos e a igualdade de gênero sejam plenamente respeitados.

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