Por mais que o projeto do Novo Código Eleitoral (NCE) — seja vendido como um esforço de modernização, transparência e segurança do processo eleitoral, ele chega ao Congresso sem tratar de um dos principais déficits da democracia brasileira: a desigualdade de gênero e raça na política.
A proposta reúne um amplo conjunto de normas, que vão desde o funcionamento dos partidos até a organização das eleições. No entanto, ao ignorar a discussão sobre paridade de gênero e raça, o projeto escancara as limitações da política institucional em reconhecer quem ainda está fora do jogo — e por quê.
Paridade: a ausência gritante. Em um país no qual mulheres são 52% da população, discutir a paridade como direito deveria ser ponto de partida, e não concessão. O texto do NCE mantém o mínimo legal de 30% de candidaturas de cada sexo, mas concede aos partidos um prazo de vinte anos (!!!) sem sanções, caso não cumpram esse percentual — desde que as vagas fiquem em aberto.
Na prática, isso é legitimar a sub-representação feminina por mais duas décadas.
E não se trata de “falta de alternativa”. Diversas propostas tramitam ou já tramitaram no Congresso com o objetivo de mudar esse cenário: o Projeto de Lei 1984/2019, do senador Fabiano Contarato (PT), propõe a paridade nas listas de candidaturas; o PL 763/2021, do senador Wellington Fagundes (PL), estabelece reserva de cadeiras para mulheres nos parlamentos; e a senadora Eliziane Gama (PSD), única mulher negra no Senado, apresentou o PL 2913/2019 para garantir que, a cada renovação de dois terços no Senado, ao menos uma vaga seja feminina.
Ainda em 2015, a chamada PEC da Mulher (PEC 98/2015) propôs a reserva de vagas por gênero nas três legislaturas subsequentes, ideia que também aparece em outros textos, como a PEC 116/2011, que ficou conhecida como PEC das Cadeiras Negras e foi arquivada naquele mesmo ano.
Não é bondade. É luta.
A ideia de que a presença de mulheres na política decorre da “boa vontade” dos legisladores precisa ser superada.
A história da luta por representação mostra que, sem pressão organizada, os avanços simplesmente não vêm. E mais: 30% de candidaturas não significam 30% de eleitas — ainda mais quando há desigualdade de acesso a financiamento, tempo de TV e prioridade dos partidos. A proposta de paridade — 50% das cadeiras para mulheres, com metade dessas para mulheres negras, que são 28% da população — é uma resposta direta à desigualdade histórica. E já é realidade em diversos países da América Latina.