Ser mãe ou não ser: eis a questão?, por Joanna Burigo

21 de agosto, 2025 Portal Catarinas Por Joanna Burigo

Não se trata apenas de não querer filhos, mas de optar por não viver a experiência da maternidade.

Amo crianças, muito. Mas nunca nutri o sonho de ser mãe. Quando eu mesma era criança, brincar de bonecas significava criar cenários em que Barbies e Suzies viajavam e construíam, nunca embalar ou fingir cuidar de bebês. Na idade fértil, por um período, pensei que queria, mas a cada menstruação vinha o alívio.

Até que me dei conta de que, para mim, a maternidade não seria a forma ideal de viver. Poder ir e vir como e quando bem entendo, sem amarras nem satisfações – o que, aliás, é o que faz a maioria dos homens, sem serem julgados ou punidos por isso (ainda que tenham filhos) – tem bastante valor para mim.

Fiz e mantive esta escolha de forma consciente, tranquila, satisfeita, e contente.

Francamente, não acredito que pessoas, por conta de suas identidades, são feitas para ações específicas — seja cuidar de crianças, praticar esportes, dançar, escrever, ou o que for. Por isso não sofri, nem adoeci, nem enlouqueci por ser mulher e não ter sido mãe. Mas muita gente tentou, ainda que inconscientemente, me fazer sofrer, adoecer e enlouquecer por ter recusado a maternidade.

Tentaram derrubar minha autoconfiança e autoestima por eu ter priorizado minha independência e autonomia, me humilhando com comentários e atos perversos. No coração de quem demoniza escolhas contrárias às que se espera das mulheres, borbulham misoginia e, arrisco dizer, muito ressentimento e recalque.

Há quem me olhe com pena, quem me diga que ainda dá tempo, quem me enquadre como egoísta, quem esteja convencido de que, no fundo, eu minto sobre minha determinação. Problema deles.

Não gosto de dar conselhos, mas quero que as mulheres que não têm plena certeza de que querem ser mães saibam que elas não precisam se afligir: não ter filhos e não ser mãe não é solitário, não é triste, não deixa uma lacuna, não aprofunda negativamente nosso necessário vazio, e não é uma falha.

A bem da verdade, quanto mais o tempo passa menos me questiono sobre a minha decisão.

Na internet é comum ouvir e ler mulheres dizendo jocosamente que gostariam de ser pais, uma piada com a qual me identifico. Uma coisa que sempre digo em conversas privadas sobre este tema é que quanto menos filhos tenho, menos filhos quero ter. Eu amo os filhos e filhas e filhes das pessoas que amo, me comove e alegra conviver com as crias dos meus. Porém, tê-los, eu mesma? Isso não me faz falta. E estou longe de ser a única mulher que sente isso ou pensa assim.

O que aparece pouco na conversa social — tão cheia de julgamento contra as mulheres que têm e as que não têm filhos — são os dados que mostram os custos concretos da maternidade. Pesquisas mostram que a chamada penalidade da maternidade significa perdas salariais de cerca de 5% por filho.

Em países como EUA e Reino Unido, essa perda pode acumular 30 a 40% da renda ao longo da vida, enquanto nos países nórdicos – dos mais igualitários que existem – o impacto varia entre 21 e 26%. Nos EUA, mesmo dez anos após o nascimento do primeiro filho, mulheres seguem ganhando 24% a menos do que as sem filhos, e, em 2024, mães que trabalhavam em tempo integral ganhavam 35% menos do que pais que trabalhavam em tempo integral.

Esse abismo não é só financeiro. A maternidade também traz a carga mental de planejar, organizar e executar as tarefas do cuidado, engendrando as duplas ou triplas jornadas de trabalho produtivo e reprodutivo.

Curiosamente, quando olhamos para as filhas de mães que trabalham de forma remunerada, os dados são otimistas: nos EUA, elas tendem a ganhar 23% a mais, e a ocupar mais cargos de liderança do que filhas de mães que não realizam trabalho remunerado fora de casa. Em escala global, o padrão também aparece, embora com outros números, e filhas de mães trabalhadoras ganham 6% a mais e têm 21% mais chances de ocupar cargos de supervisão.

Mulheres sem filhos não enfrentam a penalidade salarial nem o peso da carga mental doméstica – sobretudo as que não são casadas ou estão em uniões estáveis com homens cis. Isso não significa, porém, que sejamos blindadas contra a misoginia — ela nos alcança em forma de julgamento, estigmatização e hostilidade descarada. Por isso é importante registrar que não ser mãe tem seus benefícios, embora a sociedade raramente os reconheça, ou valorize.

É fundamental, no entanto, que sejamos compreensivas umas com as outras. Que evitemos reforçar julgamentos entre nós, já que todas sofremos no patriarcado, em maior ou menor grau.

Mulheres que não tiveram filhos podem cultivar solidariedade ativa com as mães, reconhecendo as perdas concretas que a elas são impostas, denunciando a sobrecarga que recai sobre elas, e apoiando suas lutas por autonomia e justiça. E, em termos práticos, isso pode significar nos colocarmos à disposição para colaborar no cuidado com os filhos delas, ou até mesmo com elas próprias, se elas assim desejarem.

A maternidade é muitas vezes solitária e extenuante, e oferecer presença, tempo, e apoio pode ser um gesto de feminismo cotidiano.

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