Neste Dia Internacional da Igualdade da Mulher, nosso desejo é simples: ser quem somos, por Flávia Santos

26 de agosto, 2025 Agência Patrícia Galvão Por Flávia Santos

É comum ouvir piadas e comentários desconfortáveis quando uma mulher se declara feminista ou assume sua militância pela causa das mulheres, eu mesma passo por isso frequentemente e sempre entro em profunda reflexão. Mas se os nossos direitos fossem respeitados e garantidos naturalmente, não precisaríamos reafirmar todos os dias nossa identidade, nossa capacidade e o nosso direito de existir.

Se nós, mulheres, que a todo momento somos colocadas à prova, desrespeitadas, humilhadas e mortas, estamos realmente “forçando a barra” ou nos “fazendo de vítimas”, então por que tantos dos nossos sonhos, planos e metas ainda nos são negados?

O 19º Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra essa realidade: em 2024, foram registrados 87.545 casos de estupro e estupro de vulnerável, sendo 88% das vítimas mulheres e 56% mulheres negras. No mesmo período, 1.492 mulheres foram assassinadas por serem mulheres e 3.870 tentativas de feminicídio foram registradas, um aumento de 19% em relação ao ano anterior.

E, apesar de ser revoltante e doloroso perceber que, em vez de avançarmos, estamos retrocedendo, quero reforçar: não somos apenas números. Por trás de cada estatística, há humanidade, famílias e vidas.

Quando pedimos igualdade, é porque ainda não conseguimos sair de casa sem calcular a roupa, o horário de volta e a chance de chegarmos vivas. É porque, ao acessar o sistema de saúde, enfrentamos mais risco e exposição. É porque nossos sonhos de estudar e construir um futuro são atravessados a cada instante pelas desigualdades de gênero, raça e classe.

No trabalho, mesmo quando somos tão ou mais capazes que os homens, ocupamos menos espaços de destaque e ainda assim precisamos provar, repetidamente, o que já está evidente. Se escolhemos ser mães, ou não ser, somos julgadas e nossa feminilidade é questionada. Em qualquer ambiente, carregamos inseguranças e desafios extras. Antes de fazer qualquer coisa, precisamos sempre quebrar barreiras.

Não queremos nada além do que já é nosso por direito.

Eu, enquanto mulher negra, posso afirmar a partir das minhas vivências que é constantemente violento ser mulher, negra e periférica neste país. Peço licença para falar por quase todas nós: é duro se auto aprovar e se aceitar quando, no cotidiano, somos olhadas de forma diferente pelo nosso nariz, pela nossa boca; quando nosso cabelo é ridicularizado e, a cada momento, somos comparadas, diminuídas e, tantas vezes, taxadas como histéricas, loucas ou desequilibradas. E, ainda por cima, temos que lidar com mais essa. Percebo que falar sobre racismo continua sendo um tabu que precisa ser quebrado, porque é uma das formas de violência que mais nos atravessa, que muitas vezes é velada pela própria estrutura histórico-social do Brasil.

Manifesto aqui minhas dores e percepções pessoais, não para desestimular o ativismo ou a causa, mas como um convite a uma conversa para a qual nem eu mesma me sinto totalmente preparada. Reconheço a importância de tudo o que já conquistamos até aqui e acredito que, com resistência, continuaremos avançando.

Nenhum homem compreenderá plenamente a complexidade de ser mulher neste mundo que mais violenta, mais diminui e mais mata mulheres. E não desejamos isso a ninguém, nem mesmo a eles. Desejamos apenas viver com autonomia, sem medo.

Carregamos em nós uma força inextinguível. Não porque queremos, mas porque precisamos. Se não for na raça, no grito, na luta, torna-se impossível sobre(viver) em meio a tantas respostas desumanas. É duro admitir, mas o mundo tem sido cruel conosco.

Gostaria de celebrar todas as conquistas que alcançamos até hoje, que permitiram que costumes violentos, antes naturalizados, fossem finalmente reconhecidos como crime. Basta conversar com sua mãe, tia ou avó para perceber como tudo era muito pior, e como ninguém falava ou questionava nada. Quero também cumprimentar todas as minhas companheiras ativistas, que, mesmo diante de tantos obstáculos, escolhem não desistir.

Apesar de muitas mulheres estarem em movimento, acredito que essa luta é de toda a sociedade, homens e mulheres, para que, um dia, o sonho de viver em um mundo sem violências possa se tornar realidade. É a vontade de todas nós.

Neste Dia Internacional da Igualdade da Mulher, nosso desejo é simples: ser quem somos. Seguimos em luta, de punhos cerrados e voz firme, contra uma estrutura que insiste em nos silenciar. Seguimos guardando a esperança, como a certeza de que a igualdade e um futuro melhor são possíveis.

Flávia Santos é formada em Jornalismo, estudante de Serviço Social e atua como jornalista multimídia no Instituto Patrícia Galvão.

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