Retorno imediato da criança ao país estrangeiro sem o devido processo legal não se aplica em casos de violência doméstica
Em agosto, o Supremo Tribunal Federal julgou as ADIs 4.245 e 7.686, reconhecendo a compatibilidade da Convenção da Haia de 1980 com a Constituição Federal e afastando a possibilidade de retorno imediato de crianças e adolescentes ao exterior em casos de indícios de violência doméstica.
A Convenção da Haia entrou em vigor no Brasil por meio do Decreto 3.413/2000, com a finalidade de regulamentar os casos em que pai ou mãe transfere a criança ou adolescente de até 14 anos para outro país sem a autorização do outro genitor.
Antes de avançar, cabe uma observação: é incorreto empregar a terminologia “sequestro”, como consta na tradução oficial da Convenção. No Brasil, a subtração internacional não é crime. Não há tipo penal específico criminalizando a conduta, o que representa, em verdade, uma vantagem. Países que tipificam a prática dificultam a solução consensual dos conflitos e inviabilizam o retorno voluntário do genitor com a criança, em razão da ameaça de prisão. Não por acaso, a própria Conferência da Haia recomenda a não criminalização da conduta.
O objetivo da Convenção é assegurar o retorno imediato da criança ao país de origem, competente para decidir sobre guarda e visitas.
Mas surge a questão: como conciliar esse retorno imediato quando se trata de uma mãe, vítima de violência doméstica, que deixa o país de origem para proteger-se das agressões do genitor da criança?
Esse foi o ponto central de debate no julgamento das ações de inconstitucionalidade.
Na época em que estive à frente da Coordenação-Geral de Adoção e Subtração Internacional de Crianças e Adolescentes (ACAF), autoridade central vinculada ao Ministério da Justiça, vivenciamos situações preocupantes. A Advocacia-Geral da União, com legitimidade para ajuizar ações de retorno imediato, por vezes defendia a devolução da criança mesmo diante das exceções do art. 13, alínea “b”, da Convenção, ou seja, independentemente das provas de violência ou maus-tratos sofridos pela genitora.
O §11 do art. 8º é claro ao estabelecer que, demonstrada a incidência das exceções previstas na Convenção – em especial a existência de provas consistentes sobre a violência doméstica –, a autoridade central deve orientar o requerente estrangeiro a promover, se desejar, ação privada por meio de advogado particular ou da defensoria pública, afastando a legitimidade da União nesses casos.
A medida busca justamente evitar que o Brasil, representado pela União, processe mães vítimas de violência doméstica para obrigá-las a devolver seus filhos ao genitor agressor ou a retornar com eles ao país de origem sem qualquer proteção.