Foi protocolado na Assembleia Legislativa do Paraná o Projeto de Lei nº 850/2025, que visa a obrigar clínicas e hospitais a encaminharem relatórios detalhados sobre abortamento à Secretaria de Estado da Saúde do Estado do Paraná (SESA). De autoria do deputado estadual Márcio Pacheco, do Progressistas, o espúrio projeto de lei prevê o dever de coleta de uma série de informações relativas aos procedimentos realizados no atendimento de meninas e mulheres, tais quais o número de abortamentos, a idade das gestantes, quais os métodos e as técnicas utilizados, quais as hipóteses legais que autorização do procedimento, entre outras.
Na justificativa do projeto de lei, o autor alega que o objetivo é estabelecer mecanismos de notificação para “fins estatísticos” e de “formulação de políticas públicas voltadas à preservação da vida humana”. Sugere que, sendo a responsabilidade da gravidez compartilhada entre homem e mulher, o homem deve ser “chamado a assumir as suas obrigações”, especialmente em situações de violência sexual “em que a responsabilização do agressor deve ser clara e inequívoca”. Ou seja, ecoando a aberração da PEC do Estuprador, para o autor do projeto de lei, o estuprador é pai e a vítima de estupro é mãe, mesmo que uma menina.
Certamente o autor do projeto sabe da flagrante inconstitucionalidade da proposta. Entende perfeitamente que o direito brasileiro não acolhe a tese da “proteção da vida humana desde a concepção”. Tem ciência de que não há na Constituição da República qualquer direito absoluto. Sabe que “relativizar princípios fundamentais” – talvez uma referência distorcida à Regra da Ponderação de Robert Alexy, técnica racional de resolução de conflito entre direitos fundamentais, amplamente adotada pelo Poder Judiciário brasileiro – é técnica jurídica adequada às cortes constitucionais e ao modelo de estado democrático de direito. Em suma, a tese defendida no projeto é juridicamente insustentável e seria nitidamente alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI).
Mas, ciente de tudo isso, o parlamentar insiste com seu “PL do Estuprador Paranaense”, resgatando assim a velha misoginia que, não por acaso, sempre acompanhou os espíritos masculinos fracos e inseguros. É lamentável que, em pleno século XXI, recursos públicos sejam instrumentalizados na tentativa de implementar mais uma forma de violência institucional contra as mulheres. E o mais assustador ainda é perceber a extensão da estratégia eleitoral da direita radical que, na busca por ascensão política e likes nas redes sociais, não hesita em atacar os direitos arduamente conquistados pelas mulheres. É cristalina a postura de sacrifício dos direitos da metade da sociedade, numa aposta por mais votos reacionários.