Feliz Dia das Crianças: como assim?, por Mariana Barsted

10 de outubro, 2025 Correio Braziliense Por Mariana Barsted

É preciso se atentar para o cenário de insegurança e desassistência a que está submetida a maior parte de nossas crianças e adolescentes. A violência sexual é um do problemas que clamam pela atenção do Estado

Às vésperas do Dia das Crianças, é preciso se atentar para o cenário de insegurança e desassistência a que está submetida a maior parte de nossas crianças e adolescentes. Vamos tratar aqui, especificamente, da violência sexual, que clama pela atenção do Estado, responsável por efetivar políticas para enfrentar esse perverso cenário sob pena de agravamento constante do problema.

A sociedade sabe! É o que mostra a pesquisa de opinião dos institutos Patrícia Galvão e Locomotiva realizada em julho: seis em cada 10 brasileiros declararam conhecer uma mulher que sofreu estupro ainda na infância. Índices alarmantes de estupro e estupro de vulnerável registrados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública têm sido denunciados: em 2024, foram 87.545 registros, o maior número desde 2011, sendo a maior parte das vitimas meninas (87,7%), negras (55,6%) e com até 13 anos, violentadas por familiares ou conhecidos (83,9%), geralmente em casa (67,9%). Muitas dessas vítimas tornam-se mães, é o que demonstra o estudo Estupro de vulnerável: caracterização de crianças mães, realizado pela Rede Feminista de Saúde. Esse trabalho aponta que, em 2022, foram 13.909 nascidos vivos de crianças-mães.

A maternidade infantil é uma realidade estatisticamente significativa que exige ação estatal. Não é fruto de um “desejo”, mas, sim, da violação de direitos humanos se encarada da perspectiva do marco legal vigente e da justiça reprodutiva. Grávidas em decorrência de estupro têm direito a interromper tal gravidez. O que está acontecendo no Brasil?

A Resolução nº 258/2024 do Conanda estabelece diretrizes para proteger meninas e adolescentes vítimas de violência sexual. Faz isso amparada nas leis e normas vigentes, nos compromissos internacionais assumidos pelo Estado e no exercício de seu papel de garantir tanto o atendimento humanizado quanto o acesso à informação clara e imparcial, ao aborto legal quando decidido pela vítima e ao apoio psicossocial que se faça necessário. Proíbe barreiras baseadas na discriminação social ou racial-étnica, no preconceito ou em convicções pessoais, morais e religiosas que dificultem o exercício do direito. Trata-se de uma resolução necessária e um marco fundamental no sentido de olhar de frente para o problema.

Entretanto, partem do Congresso Nacional tentativas de revogá-la, como é o caso do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 3/2025, que tem autoria dos deputados Chris Tonietto (PL/RJ), Marco Feliciano (PL/SP), Franciane Bayer (REPUBLIC/ RS), entre outros. Nas últimas semanas, houve movimentações na agenda da Câmara para fazer com que essa proposição tramite em regime de urgência, sem passar por debate nas comissões. É um tipo de manobra que reflete o escárnio de uma ala retrógrada diante de conquistas do processo democrático no campo da proteção integral de crianças e adolescentes e dos direitos reprodutivos. Direitos estes fundamentados na liberdade, autonomia e acesso à informação e à saúde, princípios consubstanciados na Constituição de 1988 e abraçados pelo ECA. São direitos individuais e sociais cujo amplo acesso está ligado às condições materiais de vida e à superação de toda forma de discriminação, exigindo do governo políticas públicas e recursos educacionais e científicos, vedando práticas coercitivas.

O lobby antiabortista chega a esse extremo, de barrar a interrupção legal da gravidez quando essa afeta nossas crianças e nossas adolescentes. Por outro lado, as mulheres sofrem pressões para o “destino” de serem mães, em especial por parte de setores das instituições religiosas. Na vida real, elas enfrentam jornadas duplas ou triplas de trabalho, salários desiguais, insegurança no emprego e falta de políticas públicas de cuidado. Ter filhos implica reorganizar toda a vida, e esse peso recai, via de regra, sobre as mães ou as mulheres cuidadoras, nas famílias. É preciso perguntar: que país é este que incentiva a natalidade, mas não garante creches, escolas em tempo integral, licenças parentais igualitárias e que fecha os olhos para a violência institucional que mata crianças e jovens, sobretudo nas periferias?

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