Deixa sangrar até morrer: a não morte materna de Paloma Alves Moura, por Emanuelle Góes

23 de outubro, 2025 Portal Catarinas Por Emanuelle Góes

Paloma Alves Moura, mulher negra, deu entrada em um hospital. Sentia muita dor e sangramento intenso. Sem atendimento adequado, morreu no mesmo dia.

Das imagens que vemos em filmes ou nos livros que lemos, quando uma mulher realiza um aborto e chega com sangramento no hospital, a cena costuma ser a mesma: ela abandonada em uma maca ou em um canto qualquer, sangrando até morrer.

Essa poderia ser uma cena de ficção, mas com certeza foi o cenário da morte de Paloma Alves Moura, uma mulher negra de 46 anos, que deu entrada em um hospital com muita dor e sangramento intenso.

“Ao longo do dia, foram usados mais de três lençóis, todos completamente encharcados de sangue” relatou a acompanhante. Sem atendimento adequado e oportuno correspondente à gravidade de sua situação, Paloma teve uma parada cardíaca e morreu no mesmo dia.

Apesar do enquadramento elaborado pelo pré-julgamento dos profissionais de saúde, ela não estava gravida, logo não poderia ter realizado um aborto.

E se fosse uma hemorragia por aborto induzido? Da mesma forma, os profissionais não deveriam julgar e punir, e sim cuidar, seguir com condutas médicas para salvar vidas porque esse é o exercício da profissão.

A moralidade que se estabelece nos serviços de saúde tem base nas discriminações explícitas e implícitas que julgam e punem, muitas pessoas morrem por isso. Um corpo negro que sangra entre as pernas sempre pode esperar: “ela aguenta”. “Suportar mais um pouquinho” é a máxima.

Sabe-se que em uma situação de quadro hemorrágico, o tempo é crucial e a demora no atendimento coloca as mulheres e outras pessoas que gestam em risco de agravamento do quadro de saúde, consequentemente de morte materna e outras mortes relacionadas.

O motivo da procura de Paloma pelo serviço de saúde foi a endometriose, que tem como um dos principais danos o sangramento vaginal intenso, além de dores consideradas incapacitantes. Estima-se que 8 milhões de mulheres enfrentam endometriose no Brasil. Os diagnósticos no país têm aumentado 76% desde 2022.

Em 2024 , foram mais de 18 mil internações; dessas, 13,6% precisaram de atendimento de urgência, e foram registrados 29 óbitos com o diagnóstico da doença. Sabemos que o crescimento dos casos de endometriose é uma realidade no Brasil e em outros países, mas isso é assunto para outro texto.

O sangramento vaginal é um dos principais motivos de mulheres procurarem um hospital por consequência de um aborto induzido ou mesmo aborto espontâneo. O estudo GravSus, pesquisa da minha tese de doutorado — um estudo multicêntrico realizado em três capitais do Nordeste brasileiro: Salvador (Bahia), Recife (Pernambuco) e São Luís (Maranhão) — aponta que mais de 50% das mulheres foram procurar atendimento por causa desse sintoma. A morte materna em decorrência do aborto está associada principalmente ao retardo no atendimento, pois foi identificado a demora dos profissionais dos serviços em diagnosticar e tratar as complicações no tempo oportuno.

O estigma e a criminalização, penal e moral, do aborto fazem com que mulheres e pessoas com útero morram em consequência do pré-julgamento de profissionais nos serviços de saúde, seguida de uma tomada de decisão baseada no deixar viver, deixar morrer.

É neste contexto que a história de Paloma se enquadra. A suspeita de que ela teria realizado um aborto fez com que ela enfrentasse os mesmos retardos e negligências vividos por mulheres que chegam aos serviços de saúde em situação de abortamento, principalmente as mulheres negras. Neste caso, temos a sinergia entre o estigma do aborto e o racismo institucional.

A moral, a criminalização e o estigma do aborto contaminam os serviços assim como autorizam os profissionais de saúde a adotarem condutas que colocam em risco a vida das mulheres e de pessoas com útero.

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