Crimes que violam a sexualidade de crianças e adolescentes – pessoas em pleno desenvolvimento – estão entre os que mais chocam a sociedade. Contudo, eles não são incomuns: há anos, eles representam praticamente 8 em cada 10 crimes sexuais registrados pelas autoridades policiais no Ceará.
Segundo dados da Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp), analisados pelo Diário do Nordeste, os percentuais oscilam entre 75% e 79% dos procedimentos realizados pela Polícia Civil que compreendem “todos os crimes de estupro, estupro de vulnerável e exploração sexual de menor”.
Enfrentar esse problema histórico envolve, primeiro, entender e respeitar crianças e adolescentes enquanto sujeitos detentores de direitos. Antes enxergados como pequenos adultos, eles passaram a contar com proteção legal no Brasil há menos de 100 anos, ainda que no contexto de “menores” desassistidos e abandonados.
O termo “menor”, por vezes ainda utilizado para se referir a essa parcela da população, reproduz a noção de incapacidade na infância, hoje é considerado ultrapassado por remeter ao extinto Código de Menores, de 1927 – substituído, em 1990, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Essa é a segunda reportagem da série “Infância ameaçada”, que discute como e por que crimes contra a sexualidade de jovens continuam ocorrendo, apesar de condenados pela sociedade, as vias de acolhimento para vítimas e as ações para preveni-los.
Psicólogo do Instituto Terre des Hommes (TdH Brasil), Pedro Alisson reafirma que dados do Atlas da Violência e do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que a maioria dos casos de abuso sexual acontece dentro de casa – um local justamente onde, muitas vezes, impera o silêncio.
“Não é curioso que o mesmo ambiente que rejeita falar sobre educação sexual seja, muitas vezes, o lugar onde o abuso acontece?”, questiona.
Na observação dele, muitos casos podem ser acobertados por outros familiares porque quem comete a violência é quem sustenta a família, gerando situações de medo, vergonha ou dependência financeira. Em outros casos, o agressor é um adolescente, e a família teme a responsabilização e a internação no sistema socioeducativo.
Independente do motivo, as crianças continuam sendo violentadas, “e essa é uma das formas mais terríveis de violência que existem”, ressalta Pedro.
“É um problema multifatorial, não tem como apontar só uma causa”, reforça Karine Leopércio, promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Saúde (Caosaúde) do Ministério Público do Ceará (MPCE).
Para ela, é difícil tratar o problema porque ele também esbarra em questões históricas e sociais dos agressores, como dificuldades financeiras, problemas com abuso de substâncias e até mesmo violências sofridas por eles próprios.
“Tem adultos que normalizaram aquela situação. Eles repetem principalmente porque não têm consciência de que aquilo é algo errado, porque vivenciaram a vida toda e é a forma de agir que eles aprenderam. Então, acabam replicando aquilo”, entende.