Entidades denunciam à ONU projeto que dificulta aborto legal em criança vítima de estupro

Manifestantes contra o PL da gravidez precoce se reúnem no Masp

Foto: Paulo Pinto/Agencia Brasil

11 de novembro, 2025 Estadão Por Caio Possati

PDL 3/2025, aprovado na Câmara e que segue para o Senado, susta resolução com diretrizes para o aborto legal em meninas e adolescentes que sofreram violência sexual

Um grupo de entidades protocolou na última sexta-feira, 7, uma denúncia à Organização das Nações Unidas (ONU) contra o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 3/2025, que susta a Resolução 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). A resolução estabelece diretrizes para o aborto legal em meninas e adolescentes grávidas vítimas de estupro.

A proposta foi aprovada na última quarta-feira, 5, na Câmara dos Deputados, por 317 votos a 111, e segue agora para votação no Senado.

A denúncia foi encaminhada ao Grupo de Trabalho (GT) das Nações Unidas sobre Discriminação contra Mulheres e Meninas e para outras três relatorias. O documento é assinado por 14 organizações, entre elas Conectas Direitos Humanos, Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, Católicas pelo Direito de Decidir, Anis – Instituto de Bioética e Ipas Parceiros por Justiça Reprodutiva (veja a lista completa no final do texto).

As entidades destacam que a resolução do Conanda não cria novas regras sobre o aborto no Brasil — permitido em casos de estupro, anencefalia do feto e risco à vida da gestante —, mas preenche “uma lacuna normativa” ao detalhar como o procedimento deve ser conduzido quando as vítimas do estupro são crianças.

Na prática, as diretrizes do Conanda determinam que o aborto deve ser apresentado à vítima caso ela não deseje prosseguir com a gestação e estabelecem que a vontade da criança, e não apenas a de responsáveis ou genitores, deve ser considerada.

A resolução também dispensa a exigência de boletim de ocorrência como prova da violência, bem como de decisão judicial que autorize a interrupção da gravidez.

As entidades afirmam que, caso a resolução seja derrubada, o aborto legal poderá deixar de ser oferecido como opção ou ser negado por profissionais de saúde contrários à medida, sob a justificativa da ausência de boletim de ocorrência.

“A resolução está de acordo com os padrões internacionais de direitos humanos para os cuidados do aborto, preconizados pela Organização Mundial da Saúde, e, na prática, regulamenta o acesso ao aborto legal previsto no Código Penal de 1940”, diz trecho da denúncia.

No documento, as organizações afirmam ainda que os deputados “votaram por condenar meninas” a enfrentar, de forma forçada, uma gravidez resultante de estupro. Ressaltam também que a gestação nessa fase da vida afasta as meninas da escola e contribui para perpetuar ciclos de pobreza e desigualdade social, racial e de gênero.

As denunciantes pedem à ONU que o Grupo de Trabalho e outras relatorias especiais “instem os senadores e senadoras” a rejeitar o projeto, “no intuito de que a Resolução nº 258/2024 continue vigente e protegendo crianças e adolescentes da gravidez infantil, especialmente as meninas em situação de vulnerabilidade”.

Além do GT sobre Discriminação contra Mulheres e Meninas, a denúncia foi enviada também para a relatoria especial sobre sobre Direitos Culturais, para a relatoria de Execuções Extrajudiciais, Sumárias e Arbitrárias e para a relatoria sobre Formas Contemporâneas de Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerâncias Correlatas.

Segundo Marina Rongo, assessora de projetos do programa de Enfrentamento à Violência Institucional da Conectas Direitos Humanos, essas relatorias já se posicionaram contrárias a outros projetos que visam restringir a prática do aborto legal. Entre eles, o PL 1.904, que equipara o aborto feito após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio simples, e a PEC 164/2012, que concede direito à vida ao nascituro desde a concepção.

“Por esses relatores já terem se posicionado anteriormente, a gente achou pertinente avisá-los, já que estavam a par da situação no Brasil, que houve essa nova ofensiva contra o aborto legal, principalmente de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual”, diz Marina ao Estadão.

Ela criticou também a forma como a aprovação foi conduzida. Na sua avaliação, não houve discussão na Câmara com especialistas e os parlamentares contrários ao aborto se valeram de informações falsas sobre a resolução para defender o PDL.

“Então, qual é o nosso intuito principal? É fazer com que a ONU, esses relatores especiais, cobrem dos senadores e senadoras um posicionamento que siga os padrões internacionais de direitos humanos, aos quais o Brasil se compromete. E que eles votem com a consciência de que esse PDL 3/2025 não segue esses padrões”, acrescentou.

Acesse a matéria no site de origem.

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas