A 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras, realizada em 25 de novembro em Brasília, reuniu mais de 300 mil mulheres e reafirmou a centralidade do movimento negro feminino na construção democrática do país. Mais do que um ato político, o encontro evidenciou a força de uma agenda que combina luta, memória, dados e disputa narrativa, dimensões que, juntas, apontam caminhos para um Brasil mais justo.
Durante a coletiva de abertura, a historiadora e fundadora do Odara – Instituto da Mulher Negra, Valdecir Nascimento, sintetizou o espírito da Marcha:
“Mulheres negras fazem revolução todos os dias, em todos os lugares. Não queremos piedade. Não viemos pedir, mas afirmar o que temos feito (…). Nós colocamos o mundo para marchar junto com a gente.”
As palavras ecoaram ao longo de toda a programação e seguem reverberando dias depois — não apenas como lema, mas como diagnóstico e horizonte.
Da rua às redes: comunicação estratégica, dados e memória
Representar o Comitê de Justiça Reprodutiva durante a coletiva foi, para mim e para a Gênero e Número, um momento de profunda responsabilidade. A organização acompanha, desde sua criação, como os dados sobre violência obstétrica, impactos ambientais nos territórios e criminalização do acesso à saúde escancaram a desproporcionalidade que atinge mulheres negras.
Sentar ao lado de lideranças históricas e jovens ativistas foi também reconhecer que a defesa dos direitos reprodutivos no Brasil se sustenta em décadas de luta protagonizada por mulheres negras, que seguem dizendo — com razão — que não existe democracia possível sem garantir dignidade, autonomia e justiça para quem carrega o país nas costas.
A Gênero e Número esteve em Brasília desde 22 de novembro, fazendo a cobertura da programação da Marcha — debates, lançamentos, seminários e expressões culturais, como o ballroom, que reafirmam a diversidade política e estética do movimento. Todo o material está disponível em nossas redes e em nosso site.
Essa atuação fez parte da Coalizão de Mídias Negras e Feministas, parceria com AzMina, Alma Preta, Nós, Mulheres da Periferia e Instituto Mídia Étnica. O esforço conjunto ampliou o alcance, qualificou a narrativa e fortaleceu a presença digital da Marcha, preenchendo o vazio histórico deixado pela mídia tradicional quando o assunto é a luta das mulheres negras por saúde, reparação e justiça.
Construção contínua: pesquisa, articulação e incidência
A presença na Marcha é apenas uma parte de um processo mais longo. Desde outubro de 2024, a Gênero e Número está envolvida na construção política e estratégica do evento. Provocadas pelas mais velhas sobre a ausência de diagnósticos públicos sobre mulheres negras e políticas públicas, unimos forças com a Oxfam Brasil e o Observatório da Branquitude para produzir um estudo nacional inédito sobre a Marcha, com lançamento previsto para 2026.
Em 2025, demos um passo preliminar: lançamos o sumário executivo “Crise Ambiental e Climática: Mulheres Negras na Linha de Frente”, apresentado na COP, em Belém, e na programação oficial da Marcha em Brasília. O documento evidencia como mulheres negras estão desproporcionalmente expostas à crise climática, a desastres ambientais e às injustiças alimentares que moldam o presente brasileiro.
Também desde abril de 2025, integramos o Ecossistema de Comunicação da Marcha, espaço coletivo que articula organizações e comunicadoras para garantir que a voz das mulheres negras esteja em circulação permanente – das ruas às plataformas digitais, das grandes mídias às comunitárias. Além disso, participamos do Comitê de Enfrentamento à Violência de Gênero e Raça, iniciativa que reúne movimentos e organizações para fortalecer estratégias de acolhimento e proteção a mulheres negras diante das múltiplas violências que enfrentam cotidianamente.
As vozes de quem constrói
Esse trabalho não é individual. É coletivo. E nossa equipe viveu a Marcha a partir de diferentes papéis e experiências.
Miriã Damasceno, assistente de comunicação, compartilha:
“Estar em Brasília para a 2ª Marcha Nacional das Mulheres Negras teve um impacto impossível de descrever em palavras – e que bom que pude descrever nas imagens e vídeos que fiz ao longo do dia. Caminhei entre tantas mulheres incríveis, registrando cada gesto de força, em parceria com outras mídias feministas. Juntas, alcançamos muito mais. Voltei para casa atravessada pelo que vi e vivi, grata por ter ajudado a contar essa história do jeito que ela merece ser vista.”
Lara Martins, analista de captação e desenvolvimento institucional, relata:
“Caminhar na Marcha, dez anos após sua primeira edição, foi estar entre gerações que transformam dor em legado e futuro em possibilidade. As mais velhas conduziam a marcha; a juventude pulsava em som, cor e esperança. Brasília se tornou um corpo vivo de memória e luta. Saí profundamente tocada e grata por viver esse momento.”