(Janaína Figueiredo, correspondente de O Globo em Buenos Aires) Nova legislação permite a qualquer pessoa trocar de nome e gênero em documentos
O Congresso argentino, que em 2009 aprovou o casamento gay, deu sinal verde a uma iniciativa que põe o país na vanguarda da igualdade de direitos. A chamada Lei de Identidade de Gênero permitirá que qualquer pessoa — sem necessidade de tratamentos médicos, cirurgias ou perícias psiquiátricas — modifique gênero e nome nos documentos, por meio de um simples trâmite administrativo. Além disso, a legislação facilita a mudança de sexo, obrigando hospitais públicos a realizarem essas operações.
A nova lei, aprovada na noite de anteontem, teve amplo apoio no Senado. De 72 senadores, 55 votaram a favor. Para ativistas de organizações sociais argentinas e internacionais, o país passou à vanguarda na luta pelos direitos à diversidade sexual.
— Em 37 dos 47 países do Conselho da Europa é permitida a mudança de gênero, mas, também são exigidas condições prévias, entre elas a esterilização — explicou ao GLOBO o codiretor da Ação Global pela Igualdade de Gênero (Gate), Mauro Cabral.
Muitos países europeus, disse Cabral, também pedem exames médicos, outro tipo de cirurgias e até mesmo o divórcio. Segundo ele, “o mais importante da nova lei argentina é que ela permite o reconhecimento da identidade de gênero sem que a pessoa tenha de pagar por esse direito renunciando a outro”.
— Muitas nações condicionam a troca de gênero a cirurgias para a retirada de órgãos sexuais — afirmou Cabral.
Estado ajudará menores a contestarem vontade dos pais
Algumas legislações são consideradas mais progressistas do que outras. No entanto, em todos os casos elas estabelecem uma série de obrigatoriedades para a alteração de gênero. Na Espanha, é preciso tratamento hormonal. No Uruguai, são realizadas avaliações médicas. Outros países, como África do Sul, Bélgica, Holanda, Colômbia e Turquia também permitem a modificação de gênero. No entanto, em todos os casos, a pessoa que decide dar este passo deve atravessar um difícil processo legal.
Agora na Argentina será necessário apenas ir a um cartório e pedir a mudança de gênero. Se a pessoa for menor de idade, deverá estar acompanhada pela mãe, pai ou tutor. Caso a família não esteja de acordo com sua decisão, o menor contará com a ajuda de um advogado designado pelo Estado argentino.
— Esta lei representa uma mudança histórica: a diversidade sexual passou a ser um direito humano — enfatizou Martin Canevaro, coordenador do programa de diversidade sexual do Instituto Nacional contra a Discriminação, Xenofobia e Racismo.
Mesmo em casos de pessoas que não queiram modificar seus documentos, a lei defende o “direito a um tratamento digno”. Ou seja, quem optar por assumir um gênero diferente deverá ser tratado como tal e chamado pelo nome escolhido.
O documento aprovado pelo Senado prevê, ainda, que os hospitais públicos e planos de saúde deverão cobrir cirurgias e tratamentos hormonais destinados a mudar o corpo do paciente. Os médicos, explica Canevaro, terão que se especializar.
A nova lei foi comemorada por mais de mil pessoas na porta do Congresso. Agora, disseram representantes de associações locais, uma das metas é a realização de um censo nacional para determinar quantos travestis e transexuais vivem no país.
— Esta lei deixa claro que não somos doentes mentais nem sofremos qualquer tipo de patologia — comentou Diana Sacayan, do Movimento Antidiscriminatório de Liberação.
Há um ano, ela iniciou um processo na Justiça para modificar seu gênero, mas continuava esperando uma resposta.
— Antes eram necessários controles médicos e procedimentos muito desgastantes para uma pessoa — disse.
Nos últimos anos, cerca de 60 pessoas passaram pelos tribunais para solicitar a alteração de gênero e nome no documento. Alguns casos são famosos, como o da atriz Flor de la V, que deixou oficialmente de chamar-se Roberto Carlos.
Acesse em pdf: Lei torna fácil mudar de sexo na Argentina (O Globo – 11/05/2012)