(Folha de S.Paulo) O professor da USP e sociólogo Antônio Flávio Pierucci morreu ontem pela manhã, em São Paulo, aos 67 anos, em decorrência de um infarto fulminante.
Professor da USP estudou mudanças no cenário religioso do país, com ênfase na ascensão das denominações neopentecostais
O acadêmico tinha diabetes leve e pressão alta, ambas controladas com medicação. Por volta das 10h de ontem, uma equipe do Samu chegou à residência do pesquisador, na Vila Mariana (zona sul), para tentar reanimá-lo, mas não obteve sucesso.
O corpo de Pierucci será enterrado hoje, no Cemitério Municipal de Altinópolis, cidade do Norte paulista (a cerca de 330 km da capital) em que ele nasceu. O professor não deixa filhos.
Três objetos de estudo se destacaram na trajetória do sociólogo: a produção teórica do alemão Max Weber (1864-1920), o perfil do voto conservador em SP e o enfraquecimento do catolicismo, este último coincidindo com a ascensão das denominações neopentecostais.
No âmbito da pesquisa weberiana, publicou em 2003 “O Desencantamento do Mundo – Todos os Passos do Conceito de Max Weber” (editora 34), volume originado de sua tese de livre-docência na USP.
Na obra, Pierucci esmiúça a noção do título, segundo a qual a história do Ocidente testemunhou um lento processo de afastamento da religião de práticas e rituais místicos, mágicos.
No ano seguinte, o sociólogo, que integrou os quadros do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e foi secretário-geral da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), cuidaria da edição de “A Ética Protestante e o ‘Espírito’ do Capitalismo” (Cia. das Letras), obra-chave de Weber.
Segundo Reginaldo Prandi, professor de sociologia da USP e orientador da tese de doutorado de Pierucci, ele concluíra há pouco a revisão técnica de mais dois títulos weberianos, sobre as religiões da China e da Índia.
IMAGEM EVANGÉLICA
No campo da sociologia da religião, explica Prandi, o sociólogo vinha se dedicando à análise das estratégias dos evangélicos pentecostais para ingressar na mídia e mudar a imagem de suas denominações. Ele também se debruçava sobre as manifestações musicais desses grupos.
Além de “O Desencantamento do Mundo”, o acadêmico publicou a coletânea de ensaios “Ciladas da Diferença” (editora 34; 1999) e o livro “A Magia” (Publifolha; 2001).
No começo dos anos 1980, ao lado de Prandi e Antonio Manuel Teixeira Mendes, atual superintendente da Folha, Pierucci desenvolveu uma metodologia para o Datafolha (o então recém-criado instituto de pesquisas do Grupo Folha) que cruzava dados geográficos, de renda e sociais.
“Ele ajudou a entender os mecanismos que regem a decisão do eleitor, em um momento em que ainda havia poucos estudos a esse respeito. Radiografou o malufismo em São Paulo, por exemplo”, diz Mendes.
Em mensagem enviada por e-mail, o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso lamentou a morte do colega. “Convivi extensamente com ele no Cebrap. Destacou-se sempre como pesquisador competente e intérprete refinado.”
Livros / Antônio F. Pierucci
Igreja: contradições e acomodação
1978. Editora Brasiliense
Um estudo das concepções do clero católico sobre a reprodução humana e o problema do aborto
São Paulo: trabalhar e viver
Com Vinicius Caldeira Brant
1989. Editoria Brasiliense
Analisa o desenvolvimento econômico e as condições de trabalho, moradia, saúde, a criminalidade e as lutas urbanas na cidade de SP
A realidade social das religiões no Brasil
Com Reginaldo Prandi.
1996. Editora Hucitec
Uma discussão das relações entre as religiões e as transformações da sociedade, sobretudo na esfera política
Ciladas da diferença
1999. Editora 34
Sete ensaios sobre a questão da diferença. Analisa o eleitorado de direita e as classes populares em São Paulo, os movimentos feministas e o fundamentalismo islâmico
A magia
2001. Publifolha
Ensaio sobre o tema a partir dos principais teóricos que estudaram o problema (Frazer, Hubert, Mauss, Durkheim, Malinowski, Leach)
O desencantamento do mundo
2005. Editora 34
Análise de um dos conceitos centrais do pensamento do sociólogo alemão Max Weber
Acesse em pdf:
Morre em SP, aos 67, sociólogo Flávio Pierucci (Folha de S.Paulo – 09/06/2012)
Leia também:
‘Fica mais burro o Brasil com a morte repentina de Flávio Pierucci, sociólogo da USP, na sexta passada nesta capital. Citações a seu respeito tratam-no de “especialista em religiões”. É pouco.’ – Encantou-se, por Vinicius Mota (Folha de S.Paulo – 11/06/2012)
Análise: Especialista em Weber, reforçou a identidade cristã do brasileiro, por Luiz Felipe Pondé (Folha de S.Paulo – 09/06/2012)
Dilma envia telegrama de condolências para a família do professor Antônio Flávio Pierucci
A presidenta Dilma Rousseff enviou hoje (9) telegrama de condolências para a família do sociólogo Antônio Flávio Pierucci, que morreu nesta sexta-feira (8), em São Paulo, aos 67 anos.
Leia abaixo a íntegra do telegrama:
“O professor Antônio Flávio Pierucci deixa um legado intelectual precioso. A par de seus profundos estudos e criteriosa tradução da obra de Max Weber para o Português, Flávio Pierucci dedicou sua inteligência à compreensão de fenômenos sociais e políticos do presente, destacadamente no campo da Sociologia da Religião. Alunos, colegas e leitores reconhecem nele o talento do mestre e o compromisso generoso com a transformação social. É uma perda que lamento profundamente.”
Assista ao vídeo da reportagem: Morre em SP o sociólogo e professor da USP Antônio Flávio Pierucci (SPTV 2ª edição – 09/06/2012)
Morre em SP o sociólogo Flávio Pierucci (Portal G1 – 09/06/2012)