(O Estado de S. Paulo) Conferência de nove dias enfatizou problemas e apontou caminhos para o desenvolvimento sustentável, mas deixou a responsabilidade de resolvê-los para a Assembleia-Geral das Nações Unidas
É difícil explicar qual foi o resultado prático da Rio+20. “Um ponto de partida”, “uma agenda para o século 21”, “uma plataforma para o desenvolvimento sustentável”, foram alguns termos usados por políticos e diplomatas para descrever o legado da conferência. O documento final, intitulado O Futuro que Queremos, tem 49 páginas, com 283 parágrafos, organizados em seis capítulos: Nossa Visão Comum, Renovação dos Compromissos Político, Economia Verde, Estrutura Institucional, Estrutura de Ação e Meios de Implementação. Cada parágrafo traz algum tipo de afirmação, em que os países reconhecem algum problema, se comprometem com algum ideal ou – em alguns casos – com alguma ação específica.
Em sua maior parte, o documento “reafirma” compromissos de conferências anteriores. Entre eles, os princípios da Eco-92. Um resultado comemorado pelo Brasil, visto que havia pressão para rever alguns desses princípios – em especial, o das “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”. Mas que deixa no ar uma certa frustração. Reafirmar o que já foi acordado 20 anos atrás deveria ser o ponto de partida da conferência, não uma de suas principais conquistas.
Acesse o documento final em um dos idiomas oficiais da ONU
Alguns destaques:
Parágrafo 1 – Visão comum de todos os países
“Nós, chefes de Estado, de governo e representantes de alto nível, tendo nos reunido no Rio de Janeiro, Brasil, de 20 a 22 de junho de 2012, com plena participação da sociedade civil, renovamos nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável e de assegurar a promoção de um futuro economicamente, socialmente e ambientalmente sustentável para o nosso planeta e para as gerações presentes e futuras.”
Este parágrafo introdutório se tornou polêmico nos últimos dias da conferência. Representantes de ONGs, indignados com a falta de ambição do documento, pediram que a expressão “com plena participação da sociedade civil” fosse retirada do texto. Não foi. Uma carta de repúdio, assinada por pensadores e ícones do movimento socioambientalista, como Thomas Lovejoy, Ignacy Sachs, Yolanda Kakabadse e Marina Silva, foi publicada no dia seguinte em protesto. Para eles, o documento da Rio+20 será lembrado por ser “marcado por graves omissões”.
Parágrafo 2 – Pilar social e erradicação da pobreza
“A erradicação da pobreza é o maior desafio global que o mundo enfrenta atualmente e é um requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável. Diante deste contexto, estamos comprometidos a libertar a humanidade da pobreza e da fome como uma medida de urgência.”
Este reconhecimento da erradicação da pobreza como maior desafio do mundo foi destacado pela presidente Dilma Rousseff como uma das maiores conquistas do Rio+20, apesar de o documento não trazer nenhum compromisso prático no sentido de fazer essa erradicação. Ao longo das negociações, os Estados Unidos tentaram modificar o texto para dizer que apenas a fome e a pobreza “extremas” deveriam ser eliminadas, mas a modificação foi derrubada no rascunho final redigido pelo Brasil. Dar ênfase no pilar social do desenvolvimento sustentável – além dos outros dois pilares, econômico e ambiental – foi uma das prioridades do País nas negociações.
Parágrafo 146 – Respeito aos direitos reprodutivos
“Reafirmamos nosso compromisso com a igualdade de gêneros e com a proteção dos direitos das mulheres, homens e jovens a terem controle e decidirem livremente e responsavelmente sobre assuntos relacionados a sua sexualidade, incluindo acesso à saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência.”
Este é um dos vários trechos criticados no documento por não citar explicitamente, também, os direitos reprodutivos das mulheres – conceito que trata do acesso a métodos anticoncepcionais, reprodução assistida, e ao direito de escolher quando ter filhos. Os rascunhos originais do texto faziam essa referência, mas elas acabaram sendo tiradas na versão final por pressão do Vaticano e de alguns países católicos e muçulmanos. Foi a única omissão lamentada publicamente pela diplomacia brasileira, que disse que gostaria de ter mantido a referência no texto, mas não conseguiu por conta de “diferenças profundas” entre os países sobre esse tema.
[Nota: A Agência Patrícia Galvão destaca que, no parágrafo 16 do Documento Final da Rio+20, os países signatários reafirmam seu compromisso com os resultados de todas as conferências e cúpulas da ONU, incluídas: o Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994) e a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Pequim, 1995), que tratam explicitamente dos direitos reprodutivos das mulheres.]
Parágrafo 248 – Definição de objetivos sustentáveis
“Resolvemos estabelecer um processo intergovernamental inclusivo e transparente sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, ODS (…). Um grupo de trabalho aberto deverá ser constituído antes da abertura da 67.ª sessão da Assembleia-Geral da ONU e deverá ser composto de 30 representantes nomeados pelos Estados-membros (…). Este grupo submeterá um relatório à 68.ª sessão da Assembleia-Geral, contendo as propostas sobre Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para consideração e ação apropriada.”
O documento lança um processo de negociação para formulação dos ODS, que deverão substituir os atuais Objetivos do Milênio a partir de 2015. Mas não menciona nenhum tema que deverá ser tratado pelos novos objetivos – repassando o debate, mais uma vez, para a Assembleia-Geral da ONU. O parágrafo anterior a este diz que os ODS deverão ser “focados em áreas prioritárias para o desenvolvimento sustentável”.
Acesse em pdf:
Rio+20 reafirma o passado e adia decisões para o futuro (O Estado de S. Paulo – 24/06/2012)
Visão comum de todos os países (O Estado de S. Paulo – 24/06/2012)
Pilar social e erradicação da pobreza (O Estado de S. Paulo – 24/06/2012)
Respeito aos direitos reprodutivos (O Estado de S. Paulo – 24/06/2012)
Definição de objetivos sustentáveis (O Estado de S. Paulo – 24/06/2012)