(O Globo) São seis mãozinhas e pezinhos; olhos atentos e rostinhos sorridentes, só esperando para serem abraçados e enchidos de beijos, garantindo uma felicidade gratuita difícil de se explicar aos que não têm filhos. Há três anos e meio, os trigêmeos Maria Luiza, Mariana e Guilherme eram só um forte desejo do servidor público Gustavo Carvalho, que teve recorrer à fertilização in vitro (FIV) para contornar sua infertilidade ocasionada por uma caxumba na adolescência. Hoje, ele não economiza:
— Ganhei na Mega-Sena. Engravidamos dos três na primeira tentativa.
Esse objetivo, no entanto, está um pouco mais distante da realidade, já que a infertilidade de casais aumentou 10% nas últimas duas décadas, e os métodos de tratamento não avançaram nesta velocidade. O que mudou, segundo especialistas, foi a forma de lidar com o problema:
— Hoje o homem colabora mais com o projeto da família. Isso é claro. Antes a questão da fertilidade caía no colo da mulher, e ela era sempre a primeira a ser investigada pelos médicos — afirma o especialista em reprodução humana Marcello Valle, médico do Hospital da UFRJ e diretor da clínica Origen.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) mostra em dados que a responsabilidade é igual: o homem responde por 40% dos casos de infertilidade, o mesmo índice feminino. Em 20%, ambos são responsáveis. Entre as principais causas diagnosticadas nele está a varicocele (varizes no testículo), 40% do total; seguida de problemas hormonais, infecciosos, imunológicos e até sem causa aparente.
— Podemos sugerir que seja o estresse, a poluição, toxinas presentes na água e nos alimentos, porque a infertilidade cresceu nos últimos anos. Para se ter ideia, há 20 anos, 10% da população era infértil. Hoje, a taxa de infertilidade conjugal no mundo é de 20% — explica o especialista em Reprodução Humana Luiz Fernando Dale, diretor da clínica Dale.
Mesmo com o aumento, segundo o médico, ainda são poucas as opções de tratamento de homens inférteis.
— Existe uma compreensão grande da fisiologia da mulher; é mais estudada e há mais tempo. Já no lado masculino, é mais difícil o diagnóstico, e há menos possibilidades de tratamento. O que avançou não foi na clínica, mas sim, no laboratório.
FERTILIZAÇÃO SEM GARANTIA DE SUCESSO
Uma das principais técnicas de laboratório é a inseminação intrauterina, em que se insere o sêmen no aparelho genital feminino. Esse processo é mais parecido com o mecanismo natural do que a fertilização in vitro, técnica desenvolvida no final da década de 70 e disseminada no Brasil nos anos 90. Ela consiste na coleta de óvulos e espermatozoides, levados para o laboratório, onde é realizada a fecundação; depois, o embrião é transferido para o útero.
Em 34 anos desde o primeiro bebê de proveta, houve cinco milhões de nascimentos por FIV, segundo dados da Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia. O número parece animador, mas a conclusão do tratamento não garante a gravidez. As chances de sucesso dependem principalmente da idade da mulher: começam em 50% (abaixo de 35 anos) e caem até 9% (acima de 42 anos).
Além das grandes chances de insucesso, o custo do procedimento é alto. O Ministério da Saúde discute a inclusão da FIV na tabela do Sistema Único de Saúde (SUS), mas como isto ainda não foi colocado em prática, o casal precisa arcar com em média R$ 15 mil por tentativa.
Para chegar a ser considerado infértil, o casal deve ter tido um ano de relações sexuais sem contraceptivo, explica a psicóloga Maria Alice Lustosa, coordenadora do Centro de Pós-Graduação da Santa Casa no Rio de Janeiro, que destaca haver prejuízos emocionais fortes neste processo.
— São 12 meses de frustração. É um luto a cada mês pelo bebê que não veio. E o homem, inconscientemente, ainda relaciona infertilidade com virilidade, por isso é possível até ele ter problemas de ereção e de ejaculação — conta Maria Alice.
Fazer a relação sobreviver aos abalos do tratamento é outro desafio:
— Há casos em que as relações sexuais são pautadas pela determinação médica. Às vezes o homem vai correndo para casa para não perder o período fértil da mulher. Com isso, ele se sente usado e perde o desejo. É comum também eles se sentirem angustiados de não poderem ser os provedores, função que lhes é atribuída culturalmente, e não conseguem lidar com a culpa. Aquele afeto e respeito podem ser corroídos ao longo do tempo, e eles chegam à separação.
A vergonha social é enfrentada, principalmente pelo homem, afirma Maria Alice, que conta ser raríssimo que o assunto seja tratado abertamente. No caso de Gustavo Carvalho, o tema foi levado com naturalidade:
— Estas coisas acontecem, não tinha por que esconder. E o médico disse que a minha situação era difícil, mas enfrentei tudo com otimismo — afirma.
Ele ainda conta ter ficado assustado com o resultado da ultrassom.
— Foi assustador, mas emocionante. Eu acompanhei a hora do parto, quase que virei mais um paciente — brinca.
Acesse o pdf: Paternidade de proveta ainda desafia (O Globo – 12/08/2012)