Entre janeiro e julho, a Justiça concedeu 1.887 proibições do tipo nas sete varas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do município. O levantamento foi feito pelo Tribunal de Justiça (TJ) a pedido do Jornal da Tarde
(Jornal da Tarde) Aparentemente, uma empresária que vive no Morumbi, zona sul da capital, e uma auxiliar administrativa que trabalha no Carrão, zona leste, não têm nada em comum. Suas histórias, porém, servem de exemplo para constatar que casos de violência doméstica podem acontecer em qualquer lugar e em todas as classes sociais. As duas mulheres pediram proteção da Justiça após receberem ameaças dos ex-companheiros.
Assim como elas, todos os dias nove moradoras da capital conseguem a chamada medida protetiva. O instrumento jurídico, previsto na Lei Maria da Penha, pode impedir o acusado de se aproximar da vítima ou de entrar em contato com ela e seus familiares. Entre janeiro e julho, a Justiça concedeu 1.887 proibições do tipo nas sete varas de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do município. O levantamento foi feito pelo Tribunal de Justiça (TJ) a pedido do Jornal da Tarde.
A empresária G., de 31 anos, resolveu pedir proteção após voltar de uma viagem à cidade de Saint-Tropez, na França, no fim de julho. Lá, durante a festa de casamento de uma amiga, G. afirma ter sido agredida pelo namorado no quarto do hotel, após uma discussão (veja depoimento abaixo). A Justiça francesa apura o caso. A empresária viajou para o Brasil sozinha e foi à Justiça.
“Acho que as mulheres não denunciam casos como esse por vergonha ou medo. Até amigas minhas falaram que não iriam à polícia”, diz a jovem. O acusado, um advogado de 34 anos, afirmou que não foi notificado sobre a medida judicial e que pretende se defender de todas as acusações. Como o caso segue em segredo de Justiça, os nomes dos envolvidos não podem ser revelados.
Já a auxiliar administrativa da zona leste precisou de uma decisão judicial para garantir que um ex-companheiro não a procurasse mais. O homem chegou a telefonar cem vezes em um único dia para o trabalho da vítima.
“Nem todos conhecem as medidas de proteção. Muitas vezes, após um caso de agressão, a mulher chega na delegacia perguntando: ‘O que pode ser feito para ele sair de casa’”, diz a delegada Maria Helena do Nascimento, da 5.ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM).
Especialistas avaliam que o número de mulheres que recorrem ao Judiciário para manter homens violentos à distância tem aumentado. “O número expressivo de medidas de proteção concedidas revela que as mulheres estão sendo mais orientadas sobre seus direitos, estão buscando mais a Justiça e sendo mais amparadas”, afirma a juíza Elaine Cristina Monteiro Cavalcante, titular da Vara Central de Violência Doméstica.
Quem descumpre a medida de proteção é notificado. Se reincidir, é preso. Mas, segundo a advogada Fabíola Marques, presidente da Comissão da Mulher Advogada da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), “a polícia não tem forma eficiente de averiguar”. A fiscalização do cumprimento das determinações judiciais depende de denúncias. Por isso, segundo Fabíola, é importante que a vítima avise amigos e parentes.
COMO FUNCIONA
> > As medidas de proteção podem ser pedidas pela vítima ou pelo Ministério Público. Em geral, os casos são avaliados em 48 horas
> > As mais comuns são as que impedem o acusado de se aproximar da vítima ou de seus familiares (a distância é fixada pelo juiz), proíbem o homem de entrar em contato e de frequentar os mesmos lugares que a vítima
> > A proteção pode ser pedida sempre que a segurança da vítima estiver em risco. Não é necessário que tenha havido agressão
> > O descumprimento pode levar o acusado à prisão
DEPOIMENTO
G., EMPRESÁRIA DE 31 ANOS, QUE ACUSA O NAMORADO DE AGREDI-LA EM JULHO
“O homem é naturalmente mais forte. Mas a agressão física não é pior que a psicológica”
“A gente brigou no carro. Quando chegamos no quarto, ele tentou se aproximar e eu o afastei. Daí começou a me bater muito forte. Entrei em pânico e não conseguia gritar, nem nada. Minha voz não saía. A única coisa de que me lembrei foi de tampar o rosto e proteger as costelas com os braços. Fiz três anos de defesa pessoal e acho que isso ficou gravado na minha cabeça. Mesmo assim, ele conseguiu acertar um golpe na minha cabeça.
De repente, estava sangrando. O corte foi na sobrancelha. Quando vi, meu vestido, que era branco, estava todo pintado de vermelho. Foi aí que consegui gritar: ‘Para, para, pelo amor de Deus’. Minha amiga, que estava no outro quarto, veio, me tirou e deixou meu namorado trancado lá. Chamamos a polícia e a ambulância. O médico disse que eu tinha que ficar três dias internada em observação por causa das lesões que sofri, mas queria voltar para casa, para minha família.
Quando o homem bate numa mulher, ainda mais alguém com quem você dorme junto, com quem você divide coisas, ele te afronta de uma maneira… O homem é naturalmente mais forte que a mulher. Mas a agressão física não é pior que a psicológica.
Todo dia olho no espelho e me lembro desse episódio. Minha vida virou uma bagunça. Estou tomando remédios, tenho medo de sair na rua sozinha.”
Acesse o pdf: Por dia, 9 mulheres agredidas obtêm proteção (Jornal da Tarde – 01/09/2012)