(Folha de S.Paulo) Comissão que investigou abusos da imprensa sugere instância com poder de multar veículos; proposta racha governo. Recomendação agora vai para o Parlamento; primeiro-ministro se coloca contra, mas vice-premiê dá apoio
Em relatório divulgado ontem, a comissão oficial que investigou o escândalo de grampos ilegais da imprensa britânica pediu a criação, por lei, de um órgão independente para regular os veículos de comunicação no país.
O chamado inquérito Leveson foi motivado pela revelação de que o tabloide dominical “News of the World”, do magnata Rupert Murdoch, interceptou ligações de pessoas comuns e celebridades para fazer reportagens.
A imprensa britânica não se subordina a nenhuma lei desde o século 17.
O relatório chama de ineficaz o órgão de autorregulação atual, a Press Complaints Comission (comissão de queixas sobre a imprensa). Segundo o texto, o órgão protege os veículos de comunicação e não dá andamento às reclamações que recebe.
O primeiro-ministro David Cameron, do Partido Conservador, indicou ao Parlamento que é contra a criação de uma lei a respeito do assunto -principal proposta do inquérito, que durou 16 meses.
“Devemos ter cautela com qualquer tipo de legislação que tenha o potencial de afetar a liberdade de expressão e de imprensa”, disse.
Seu vice-premiê, o liberal-democrata Nick Clegg, e o líder da oposição, o trabalhista Ed Miliband, apoiaram o relatório. O Parlamento terá que decidir se ele será ou não implementado.
O lorde Leveson, que conduziu o caso, fez duras críticas à mídia britânica.
“Houve diversas vezes em que, à procura de histórias, partes da imprensa agiram como se seu próprio código, escrito por eles mesmos, simplesmente não existisse. Isso causou sofrimento e, eventualmente, arrasou a vida de pessoas inocentes, cujos direitos e liberdades foram desprezados”, afirmou Leveson.
O caso que deu início ao inquérito foi o da garota Milly Dowler, que desapareceu em março de 2002 e teve o corpo encontrado após seis meses.
Nesse intervalo, repórteres do “NoW” invadiram a caixa postal do telefone celular dela e apagaram diversas mensagens, dando esperança à família e à polícia de que a menina poderia estar viva.
O juiz defendeu que os integrantes do futuro órgão sejam escolhidos em um “processo claro e aberto” e se opôs à participação de editores.
“Com editores no conselho, a indústria continuaria corrigindo o seu próprio dever de casa”, disse.
Segundo o relatório, o órgão poderia “intervir em casos de abuso”, mas “protegendo integralmente a liberdade de expressão”. Seus integrantes teriam o poder de impor punições e multas aos veículos cujo comportamento for considerado abusivo.
RACHA NO GOVERNO
A resistência do premiê Cameron abriu uma divisão na aliança que governa o Reino Unido desde maio de 2010, entre os conservadores e os liberal-democratas.
Numa atitude incomum no Parlamento britânico, o vice-premiê Clegg pediu a palavra para contestar o discurso de Cameron sobre o caso.
“Uma imprensa livre não significa uma imprensa que seja livre para perseguir pessoas inocentes ou abusar de famílias de luto”, disse.
Acesse em pdf: Relatório pede controle da mídia britânica (Folha de S.Paulo – 30/11/2012)